Revisitando a Exortação neste ano especial
Flávia Nunes Costa Ghelardi – No dia 19 de março de 2021, dia em que a exortação apostólica Amoris Laetitia completou cinco anos, o Papa Francisco instituiu o “Ano Família Amoris Laetitia”, que se encerrará no dia 26 de junho de 2022. O objetivo do Papa é que cada católico, cada família possa se aprofundar mais na riqueza dessa exortação apostólica.
Assim, a partir de hoje, apresentaremos a cada mês um pequeno resumo e orientações práticas sobre cada um dos nove capítulos desse documento, para que nós, como membros do Movimento Apostólico de Schoenstatt, um movimento que se identifica como Família, enxerguemos com clareza os desafios que são apresentados para a família e consigamos, “com a mão no pulso do tempo e o ouvido no coração de Deus”, superá-los, tanto na nossa própria família como em nossa Família de Schoenstatt.
No primeiro capítulo, “À Luz da Palavra”, o Santo Padre nos lembra que as Sagradas Escrituras estão repletas de histórias familiares, iniciando com o casamento de Adão e Eva, indo até as núpcias da Esposa com Cordeiro, no livro do Apocalipse. Dessa forma, a história da nossa salvação é uma história de relacionamentos, de alianças, na qual Deus vai se revelando como o Noivo que quer desposar de nossa alma, para um dia desfrutarmos da união eterna com nosso Criador no Paraíso.
A partir de uma dessas passagens, o Salmo 128 (127), 1-6, o Papa discorre sobre a vida familiar:
«Felizes os que obedecem ao Senhor e andam nos seus caminhos. Comerás do fruto do teu próprio trabalho: assim serás feliz e viverás contente. A tua esposa será como videira fecunda na intimidade do teu lar; os teus filhos serão como rebentos de oliveira ao redor da tua mesa. Assim vai ser abençoado o homem que obedece ao Senhor. O Senhor te abençoe do monte Sião! Possas contemplar a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida, e chegues a ver os filhos dos teus filhos. Paz a Israel!»
Tu e tua esposa: “Ele os criou homem e mulher”
A família se origina da união entre homem e mulher (Gn 2,24) e no relato da Criação vemos que o homem e a mulher são imagem de Deus (Gn 1,27). É a capacidade que o casal tem de gerar uma nova vida, uma alma imortal, que os torna imagem do Deus Criador. “O casal que ama e gera a vida é a verdadeira escultura viva capaz de manifestar Deus criador e salvador. Por isso, o amor fecundo chega a ser o símbolo das realidades íntimas de Deus” (AL 11). Desta forma, a relação fecunda do casal se torna uma imagem para descrever o mistério da Santíssima Trindade, onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem em íntima união de amor.
Ao escolherem um ao outro para formar uma família, homem e mulher são chamados a se unirem para tornarem-se uma só carne (Gn 2,24; Mt 19,5). Esta união, que deve significar uma estreita sintonia, uma adesão física e interior, uma entrega total ao outro, pode gerar como fruto o filho, que é a prova palpável de que os dois são uma só carne. No filho, pai e mãe estão unidos genética e espiritualmente.
Os teus filhos como rebentos de oliveira
“Se os pais são como que os alicerces da casa, os filhos constituem as ‘pedras vivas’ da família (cf. 1 Ped 2, 5). É significativo que, no Antigo Testamento, a palavra que aparece mais vezes depois da designação divina (YHWH, o ‘Senhor’) é ‘filho’ (ben), um termo que remete para o verbo hebraico que significa ‘construir’. (…) ‘Olhai: os filhos são uma bênção do Senhor; o fruto das entranhas, uma verdadeira dádiva. Como flechas nas mãos de um guerreiro, assim são os filhos nascidos na juventude. Feliz o homem que deles encheu a sua aljava! Não será envergonhado pelos seus inimigos, quando com eles discutir às portas da cidade’ (Sl 127/126 1,3.5)” (AL 14)
Mais uma vez aqui o Santo Padre reforça a importância dos filhos com bênçãos, “um sinal de plenitude da família na continuidade da mesma história de salvação, de geração em geração”. Numa época em que vivemos uma “aversão” aos filhos, na qual eles são considerados um mal que precisa ser “evitado”, é muito importante nos conscientizarmos da vontade de Deus para a família e o grande presente que Ele nos dá ao nos confiar os filhos para serem educados.
A educação dos filhos, principalmente na transmissão da fé, é outro aspecto da família abordado nesse capítulo. Os pais têm o dever de cumprir, com seriedade, a sua missão educativa. É por meio do exemplo da vivência e prática da religião que os filhos aprenderão a importância de colocarem Deus em primeiro lugar em suas vidas e procurarem cumprir a missão para a qual foram criados.
Um rastro de sofrimento e sangue
“O idílio, que o Salmo 128 apresenta, não nega uma amarga realidade que marca toda a Sagrada Escritura: é a presença do sofrimento, do mal, da violência, que dilaceram a vida da família e a sua comunhão íntima de vida e de amor” (AL 19)
Desde que o pecado entrou no mundo, cada ser humano experimenta a dor e o sofrimento, que fará parte da nossa existência até o dia em que formos chamados à eternidade. O Santo Padre destaca que esse “rastro de sofrimento e sangue” relatado em várias passagens do texto sagrado, é uma prova de que a Bíblia não é um texto abstrato, mas é uma “companheira de viagem” para tantas famílias que estão em crise ou em alguma tribulação.
O fruto do teu próprio trabalho
O trabalho é uma parte fundamental da dignidade da vida humana desde o princípio, quando no Gênesis está dito que “Deus colocou [o homem] no Jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o guardar” (Gn 2,15). “O trabalho torna possível simultaneamente o desenvolvimento da sociedade, o sustento da família e também a sua estabilidade e fecundidade” (AL 24). O desemprego e a precariedade laboral são causa de sofrimento para muitas famílias em todo o mundo.
A ternura do abraço
Encerrando esse capítulo, o Papa faz um apelo para a ternura, como essencial na experiência cristã do matrimônio e da família, pois “como distintivo dos seus discípulos, Cristo pôs sobretudo a lei do amor e do dom de si mesmo aos outros (…) Frutos do amor são também a misericórdia e o perdão.” (AL 27)
“A família é chamada a compartilhar a oração diária, a leitura da Palavra de Deus e a comunhão eucarística, para fazer crescer o amor e tornar-se cada vez mais um templo onde habita o Espírito”. (AL 29) E para conseguir colocar em prática, devemos ter como ideal e modelo a Sagrada Família de Nazaré.
Para refletir:
Como é minha visão sobre a fecundidade? Vejo os filhos como um “fardo” ou uma bênção? Tenho a consciência de que, no altar, no dia do matrimônio, disse “sim” aos filhos que Deus quiser enviar para a minha família?
Como está a educação para a fé em minha casa? Rezamos em família? Frequentamos os sacramentos? Se os filhos já não moram comigo, tenho a consciência de dar bom exemplo de vivência da fé? Rezo pelos meus filhos?