Como reagimos à “novidade” do nosso ideal? Como reagimos ao ideal dos demais? (Lc 4, 21-30)
Pe. Filipe Araujo – Neste 4º Domingo do Tempo Comum, escutamos a continuação do Evangelho do domingo anterior, em que São Lucas narrava o regresso de Jesus a Nazaré. Trata-se do início de seu ministério público, momento em que Ele começava a cumprir sua missão com o anúncio da Boa Nova e as inúmeras curas. Ao retornar à sua terra, Jesus lê em público a passagem do profeta Isaías e afirma para todos: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21).
O Evangelho de hoje começa com este mesmo versículo, dando seguimento aos fatos narrados por Lucas. Após a afirmação de Jesus, vemos uma espécie de anticlímax crescente, em que a reação das pessoas ao seu redor passa de uma profunda admiração a uma grande rejeição pela sua figura, a ponto de terem a “intenção de lançá-lo do precipício” (Lc 4,29). Muito provavelmente o motivo dessa mudança repentina foram as palavras duras que Ele disse a seguir, que mostravam o quão superficial era a admiração que as pessoas tiveram a princípio. Jesus sabia que seu ministério profético traria para Ele muitos problemas em sua própria terra.
Normalidade X originalidade
Quando conhecemos uma pessoa no nosso cotidiano, ainda mais se temos contato com suas origens “comuns”, é um grande desafio aceitar que ela pode trazer novidades que desestabilizam o que consideramos “normal”. Por isso, quando Jesus se refere a Elias e Eliseu como profetas que realizaram prodígios em terras estrangeiras (o que, para os judeus, era algo “fora do normal”, pois os estrangeiros não formavam parte do Povo de Deus), as pessoas começam a rejeitá-lo. Ele assim confirma que “nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 4,24). Em outras palavras, alguém que faz parte da realidade “comum e corrente” raramente recebe o direito de querer mudá-la.
É nesse contexto que podemos entender a ambiguidade da pergunta “Não é este o filho de José?”. Aquele questionamento, que talvez tenha começado com tom de admiração (como quando vemos que alguém que conhecemos quando criança é agora um adulto formado), pode ser interpretada com novo tom, quase que de menosprezo. É como se o fato de conhecer a origem “comum” de Jesus fosse motivo suficiente para rejeitar a novidade (a Boa-nova) que Ele veio apresentar. Trata-se da mesma tensão entre normalidade e originalidade.
O ideal pessoal: nossa novidade para o mundo
Na espiritualidade e pedagogia de Schoenstatt, a originalidade e a missão pessoal de cada pessoa são parte integrante de seu ideal pessoal. Cada ideal pessoal traz uma novidade grande ao nosso meio: uma novidade única, que se integra à normalidade na qual vivemos; uma novidade que, de fato, nasce em meio à normalidade; mas também uma novidade que a modifica. Cada ideal pessoal é um dom de Deus para todos nós, porque é reflexo de uma característica de Cristo em nosso meio.
No Evangelho de Lucas, vimos Jesus apresentando um aspecto importante de seu ideal pessoal, mas também vimos as diferentes reações das pessoas frente a isso. Hoje, talvez esse Evangelho nos convide a refletir: como tenho acolhido a novidade do outro? Certamente, não sei a formulação do ideal pessoal das pessoas ao meu redor, mas sem dúvidas eu convivo com diversos “ideais pessoais”! Eu admiro a novidade que os demais trazem para a minha vida? Ou, então, tendo a rejeitar a originalidade do outro, só porque ela desestabiliza a realidade que considero “normal”? Eu agradeço a Deus pelos dons que Ele me dá por meio das pessoas com quem convivo? Ou chego até mesmo a “menosprezar” o que o outro traz de diferente só porque conheço sua “origem comum”?
Deus nos fala no comum e no diferente, na normalidade e na originalidade, na unidade gerada na diversidade. Cada um é um dom de Deus, e juntos formamos o Corpo de Cristo. Que nossa Mãe nos ensine a acolher uns a originalidade dos outros, ajudando a que nosso ideal pessoal seja colocado ao serviço de todos!
Leituras deste domingo:
1ª Leitura – Jr 1, 4-5.17-19
Salmo – Sl 70
2ª Leitura – 1Cor 12, 31-13,13
Evangelho – Lc 4, 21-30