Dicas do Pe. José Kentenich para a vida diária.
Flavia Ghelardi – Continuando nossa série de artigos sobre a meditação da vida diária, conforme ensinado pelo Pe. Kentenich, hoje trataremos do tema da preparação para a meditação. “O enfoque de nosso Pai e Fundador é meditar onde nos encontramos com Deus e como nos encontramos com Deus”, nos explica o Pe. Humberto Anwandter.
Para perceber esse atuar de Deus em nossas vidas é preciso nos deter, parar para contemplar, para nos encontramos com o Pai, que, como diz a fé prática na divina providência, cuida de todos os acontecimentos da história mundial, mas também da história da minha vida. Todo encontro mais pessoal e profundo exige uma certa preparação. Ainda mais vivendo da forma agitada como acontece em nosso mundo, seria ilusão pensar que é possível passar da plena atividade diretamente para um diálogo íntimo com Deus.
Assim, existe uma tríplice preparação para a meditação: a preparação remota, a preparação próxima e a preparação imediata.
Preparação remota
A preparação remota diz respeito a algumas atitudes prévias que precisamos conquistar para conseguirmos fazer uma boa meditação. A primeira delas é reservar um tempo para meditar, pois todo encontro de amor requer um tempo. E não basta dizer: “amanhã farei meus 15 minutos de meditação”. Isso é muito vago e nossa tendência é procrastinar. Então o ideal é efetivamente marcar um horário na nossa agenda, por exemplo, das 08:00 às 08:15 e cumprir esse horário.
Como nossas agendas normalmente são muito cheias, reservar esse tempo para meditação pressupõe deixar alguma coisa de lado. Como diz o Pe. Rafael Fernandez: “Sejamos realistas: sem renúncia ou um melhor ordenamento de nossa agenda diária, não será possível contar com o tempo necessário para um encontro mais profundo com o Senhor. (…) Se não damos espaço aos ‘encontros de amor’ com Deus; se não cultivamos nosso amor a Ele, então nosso contato pessoal com Ele também irá esfriar, se tornará cada vez mais distante e impessoal, até desaparecer. (…) Dar um espaço para a meditação impede que isso aconteça.”
Para nos introduzirmos na prática da meditação é necessário também possuir uma capacidade contemplativa, ou seja, a capacidade de assombrar-se e maravilhar-se diante das coisas. É similar a capacidade que crianças possuem de olhar, por exemplo, uma borboleta e se encantar com os seus movimentos, suas cores, o bater de suas asas…
Em geral nós olhamos as coisas e as pessoas de um ponto de vista de sua utilidade prática, nos colocando no centro. Além disso, o excesso de estímulos que recebemos diariamente através das diferentes telas (celular, computador, televisão), nos atrapalha a parar para observar e admirar as coisas e as pessoas que nos cercam.
Precisamos aprender a “nos deter ante a realidade que nos rodeia; a reparar nos detalhes; ir mais além da superfície; a contemplar em seu conjunto e em seu significado o que observamos, seja uma coisa, uma pessoa ou um acontecimento”, nos ensina o Pe. Rafael Fernandez. Para isso precisamos, aos poucos, ir treinando o nosso olhar e começar a fazer esse pequeno exercício de contemplação, um pouquinho a cada dia.
Mais um passo importante da preparação remota é dar espaço aos valores do coração. Como dizia São João Paulo II, fomos criados para amar, não simplesmente para produzir ou organizar. O Pe. Kentenich também insistia na importância do organismo de vinculações, ou seja, o cultivo dos vínculos de amor pessoais, tanto na ordem natural como na sobrenatural. A meditação, como escola de amor, como meio de aprofundar nossa vinculação pessoal a Deus, nos ajuda a desenvolver e fortalecer essa capacidade de amar que é infundida, como semente, em nosso ser.
Por fim, é necessário também reavivar nossa fé na divina providência, pois através da meditação queremos nos encontrar com Deus, por isso é imprescindível ter fé em Deus. Então tudo o que afirma e fortifica nossa fé, redunda em uma maior possibilidade de encontrar a Deus na meditação. Os meios que podemos utilizar para aumentar a nossa fé são os sacramentos, especialmente o da confissão e o da eucaristia, além da leitura da Palavra de Deus. É importante lembrar que devemos sempre rezar pedindo para aumentar a nossa fé. Essa é a única oração que podemos ter plena certeza que será atendida imediatamente.
Preparação próxima
O Pe. Kentenich ensina que a preparação próxima para a meditação são nossas práticas espirituais, o que ele denomina de “pausas criadoras” de oração (momentos curtos nos quais elevamos nosso espírito ao Senhor) no meio do dia de trabalho.
A oração é a “respiração da alma”, assim, se não rezamos, nosso espírito morre, perdemos o contato com o mundo sobrenatural. Pensamos em primeiro lugar na oração da manhã e na oração da noite, que devem ser feitas de maneira bem consciente, oferecendo todo nosso dia de trabalho e depois agradecendo o dia que passou. O livro de orações Rumo ao Céu tem a oração da manhã (RC 3 – 17) e a oração da noite (RC 357 – 385) escritas pelo próprio Pe. Kentenich e que podemos usar em nosso dia a dia.
Além dessas orações que marcam o início e o fim de cada dia, devemos complementar com as “pausas criadoras”, essas pequenas demonstrações de amor e carinho com Deus, com as pessoas do mundo sobrenatural. Elas podem ser feitas com as jaculatórias, que tem origem do latim e significam “flechas atiradas”. Assim, as jaculatórias são como flechas de amor que atiramos para o Céu, para atingir o coração de Deus. Alguns exemplos de jaculatórias: “Jesus eu confio em Vós”; “Ave Maria por tua pureza conserva puro meu corpo e minha alma”; “Oh Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”, etc. Você pode criar sua própria jaculatória favorita ou simplesmente ao longo do dia, dizer: “Jesus eu te amo”.
“As pausas criadoras, intercaladas com os afazeres cotidianos, tal como as concebe o Pe. Kentenich, são uma ajuda privilegiada que nos permite manter viva a presença e o amor de Deus em meio às nossas atividades” (Pe. Rafael Fernandez).
Outra prática que pode constituir uma “pausa criadora” é cumprimentar a Jesus Eucarístico sempre que passamos em frente a uma Igreja. Ou até desviar um pouco o caminho que fazemos para propositalmente passar em frente a uma Igreja só para poder falar “oi” pra Jesus, com um sinal da cruz.
“Como o pássaro não abandona seu ninho, nosso amor gira ao redor dos tabernáculos sagrados. Onde a lâmpada sagrada flameja e não se apaga, nossas almas ardem por desposar-se contigo” (RC 163-164).
Mais exemplos são: olhar um crucifixo, saudar uma imagem de Maria ao entrar ou sair de casa, ou quando mudamos de atividade; uma comunhão espiritual; beijar nossa medalha de consagração, etc. Pe. Rafael Fernandes nos ensina que “a forma e o conteúdo dessas pequenas pausas criadoras dependem de nosso temperamento e de nossa relação com Deus.”
Por fim, o Pe. Kentenich destaca a importância do momento em que nos dispomos a dormir: “A preparação para a meditação é, talvez, o mais importante. Começa pela noite, na preparação que fazemos durante a oração da noite; sua culminância está nos minutos antes de dormir. Pouco antes de dormirmos deveríamos ter claro quando e para que vamos nos levantar na manhã seguinte.”
Preparação imediata
A preparação imediata se refere ao momento da meditação propriamente dita. A primeira coisa necessária é um lugar adequado, para podermos nos encontrar com o Senhor, devendo ser uma atmosfera propícia para esse encontro. A realidade de cada pessoa é que vai determinar esse lugar, podendo ser seu próprio quarto ou seu escritório, antes de começar o trabalho, ou uma igreja ou o próprio Santuário ou seu Santuário Lar. O mais importante é que o local escolhido nos assegure um grau razoável de tranquilidade.
“Todo encontro de amor requer um contexto e um ambiente adequados” nos diz o P. Rafael Fernandez, assim ajuda a entrarmos nessa atmosfera de meditação se tiver uma imagem religiosa, algum símbolo, uma vela, etc, ou seja, coisas que ajudem nossos sentidos a nos colocarmos em contato com o mundo sobrenatural.
É necessária também uma postura corporal adequada, seja ela sentada, em pé ou ajoelhada. Todavia se a postura que escolhemos nos causa um certo desconforto que atrapalha nossa concentração, então ela não é adequada.
Por fim, o tempo que escolhemos para meditar é importante e depende da realidade de cada um. Para alguns, o melhor é logo de manhã, para outros, o período noturno é o mais apropriado, outros ainda, preferem uma pausa no meio do dia. O que conta é que seja um tempo apto para realizarmos nosso propósito de meditação, assim não podemos estar muito cansados, com sono ou preocupados com os afazeres.
Com relação a duração da meditação, no início pode ser de 10 a 15 minutos e depois, conforme fomos adquirindo o hábito, pode passar a ser de 20 a 30 minutos.
“Por que acontece com frequência que simplesmente não conseguimos meditar? Uma causa pode ser o desconhecimento da verdadeira oração. Muitos pensam que o sentido de uma oração autêntica está no trabalho da cabeça. Isto não está certo. O mais importante é que a vontade e o coração estejam entregues a Deus. Outra razão é a falta de magnanimidade. Buscamos com uma unilateralidade demasiada o consolo de Deus e não o Deus do consolo. Pensamos que se não sentimos consolo nenhum, a prática da oração é uma perda de tempo. Outra causa reside no fato de que damos pouca importância à preparação remota. Nossa vida deve possuir o seguinte ritmo: os tempos de oração são a oração antecedente, a vida prática é a oração consequente. Durante o dia devo cuidar para me desprender, por manter meus sentidos em recolhimento, por conservar uma atitude humilde perante Deus. Se não faço isso, seria um verdadeiro milagre que minha meditação fosse boa. Digo mais uma vez: quem vive a santidade da vida diária protege qualitativamente as práticas de oração” (Pe. Kentenich)