Dois desafios e a resposta dos “Veneráveis” schoenstattianos da Igreja Católica
Karen Bueno / Ir. M. Nilza P. da Silva – João Pozzobon costumava dizer que existem dois tipos de loucos: aqueles que acabam num hospício… e os que são LOUCOS DE AMOR. Hoje vamos falar sobre este segundo caso.
Ao se questionar sobre a vocação consagrada, um jovem se depara com várias dúvidas e incertezas: o que Deus realmente quer de mim? O que minha família vai dizer? Vale a pena investir nessa experiência?… Dentre tantas questões, há duas que podem inquietar e balançar o coração: 1) deixar de lado um sonhado futuro profissional e 2) não conviver nem com um cônjuge, nem com filhos – dependendo da comunidade ao qual se deseja ingressar, essas reflexões são fundamentais.
A vocação não depende da escolha pessoal, é um chamado do Pai. Mas a coragem de ir na direção que ele aponta varia de pessoa a pessoa. Abaixo vamos descobrir como dois “Veneráveis” schoenstattianos – loucos de amor – lidaram com essas situações:
Vale a pena deixar a minha profissão?
A jovem Emilie Engel, desde cedo, sonhava em ser professora. Ela sabia que esse desejo profissional não era comum para uma jovem de sua época, muito menos para uma filha de camponeses do norte. Mesmo assim, consegue o consentimento do seu pai e se aprofunda nos estudos. Depois de formada, ela enfrenta o desemprego da época – há excesso de professoras para poucas vagas. Depois de algumas tentativas, ela consegue um cargo para dar aulas e vê seu sonho realizado.
Como sabemos, Emilie conhece o Movimento de Schoenstatt e ingressa na União Feminina. Nesse período, surge entre elas, as unionistas, uma inquietude para formar um grupo de mulheres dedicadas exclusivamente ao Movimento de Schoenstatt: a comunidade das Irmãs de Maria. “Emilie pensa seriamente na pergunta: Serei eu escolhida? Será que a Mãe de Schoenstatt quer me chamar para esta tarefa?” [1]
Mas, para ingressar na nova comunidade, ela precisaria deixar seu emprego: “Uma decisão desta natureza significaria abandonar a sua profissão de docente, conquistada com tanto esforço, e mergulhar num futuro de incerteza. Não seria uma imprudência? Será que Deus realmente quer um passo nesta medida? O que dirão seus pais e irmãos? E a segurança econômica? Por outro lado, não estaria surgindo uma comunidade que responde ao chamado que sente no seu interior? Não valeria a pena entregar a vida por esta comunidade que abre caminho à missão dos leigos? Perguntas e mais perguntas” [2].
Tantos anos depois, sabemos qual foi a decisão de Emilie e quais são os frutos de sua resposta de amor. O “sim” da Venerável Ir. M. Emilie Engel chega até nós como inspiração para confiar na voz do Pai.
Comigo aconteceu algo parecido…
A Ir. Elvira Maria P. Lawand fez o curso técnico de enfermagem e, na década de 70, tornou-se responsável por um centro de UTI. Com a confiança da direção do hospital, organizou esta unidade e treinou a equipe de enfermagem: “Eu gostava muito do que fazia no hospital, era respeitada por todos e procurava desenvolver o trabalho com muita responsabilidade. Nesta ocasião, me preparava para o vestibular e conheci Schoenstatt. No ano seguinte ingressei na Liga Feminina. Minha irmã também trabalhava e estava se preparando para fazer o vestibular, como o fez, mas decidiu-se ser Irmã de Maria de Schoenstatt. Também senti o chamado para seguir a Cristo, como Irmã de Maria. Tinha claro o que Deus queria de mim, mas o difícil foi conciliar a família, pois eu ajudava em casa [financeiramente] e foi muito difícil tomar a decisão”.
Passados 40 anos, ela comenta: “Hoje vejo como valeu a pena tomar a decisão, por mais difícil que foi, e seguir o chamado de Deus, que para mim foi muito claro. Para a minha surpresa, fui designada a atuar na enfermagem, ainda como noviça, por seis meses, em um pequeno hospital, no interior do Paraná e surpresa maior foi a oportunidade de estudar enfermagem. Vejam como Deus nos surpreende, ele me deu duas vocações: a enfermagem e a Vida Consagrada. Realizar sua vontade, onde Ele indicar, é o caminho da felicidade”.
⇒ Leia o testemunho completo da Ir. Elvira Maria
Casar ou não casar? Eis a questão!
No Chile, uma jovem de La Serena, região litorânea, conquistou o coração de Mario Hiriart. Durante longo tempo, foi um sentimento pouco expressado exteriormente e mediado pela distância, mas não por isso de menor profundidade: “Tu sabes, Mãezinha, que me apaixonei terrivelmente”, ele escreve em seu diário [3].
Depois que esta jovem mudou-se para Santiago, Mario a visitava com certa frequência. Ela apreciava e gostava da companhia dele, no entanto, não era apaixonada por ele. Quando foi pedida em casamento, a jovem recusou.
Foi difícil, para Mario, assimilar a resposta dessa moça. Por certo período viveu uma crise de solidão. Mas, compreendeu que Deus tinha outros planos para ele, que o tornariam ainda mais feliz. Mário escreveu em seu diário que “a felicidade não está no humano, mas sim em voltar-se para Deus”. Então, nos seis meses seguintes, dedicou-se totalmente a se preparar para a escolha definitiva do seu estado de vida.
Após passar horas de adoração silenciosa no Santuário, ele estava convencido sobre sua vocação leiga e consagrada. Mas, como nem tudo é simples, logo em seguida Mario soube dos sentimentos de amor de outra jovem por ele. Entrar ou não entrar na comunidade dos Irmãos de Maria? A decisão não era simples e a participação nos casamentos dos seus irmãos de grupo tornava tudo ainda mais difícil. Contudo, ele tinha uma visão clara sobre o que Deus desejava dele e avançou naquilo que seu coração indicava: Mario tornou-se o primeiro Irmão de Maria de Schoenstatt da América Latina.
Decidi abrir mão de construir uma família
Gabriel Figueiredo, natural de Maringá/PR, ingressou na comunidade dos Irmãos de Maria de Schoenstatt e vive em Curitiba/PR. Uma de suas “loucuras de amor” foi abrir mão de constituir uma família: “Eu decidi ser Irmão de Maria porque vi um propósito especial para, através do meu trabalho, servir a obra de Deus. Decidi abrir mão de construir uma família, abrir mão de casar, todas essas coisas para servir totalmente à obra de Deus, a obra de Schoenstatt com meu trabalho, porque eu vi nisso um propósito. Percebi que a minha verdadeira felicidade é servir a obra de Deus, seja trabalhando, seja servindo ou fazendo alguma coisa – mas não como padre, porque eu queria ajudar as pessoas de uma maneira diferente: com meu trabalho no meio do mundo, provar para as pessoas que é possível ser santo, que é possível seguir o caminho de Deus, mesmo estando no meio delas, fazendo a mesmas coisas que elas e assim sendo exemplo e seguir ajudando as pessoas através do exemplo”.
Acolher de braços abertos os dons do Senhor
Vimos que por trás da “loucura” de deixar tudo por amor, está um amor ainda maior, como diz o Papa Francisco: “Sois homens e mulheres simples que vistes o tesouro que vale mais do que todas as riquezas do mundo. Por ele, deixastes coisas preciosas, tais como bens, criar uma família própria. Por que o fizestes? Porque vos apaixonastes por Jesus, n’Ele vistes tudo e, fascinados pelo seu olhar, deixastes o resto. A vida consagrada é esta visão… É acolher de braços abertos o dom do Senhor.” [4]
O amor apaixonado por Jesus dilata o coração para amar a todos como Ele ama, por isso, a missão é parte inclusa no sim ao chamado. Como diz Pe. José Kentenich, “Encarnar Cristo em nossas vidas é o melhor meio para reconduzir as pessoas a Deus.” [5]
NOTA: Na Obra de Schoenstatt existe uma grande variedade de comunidades consagradas, nas Uniões Apostólicas e nos Institutos Seculares: clique aqui para conhecer
Referências:
[1] WOLFF, Margareta. Meu sim é para sempre – Emilie Engel, Irmã de Maria de Schoenstatt. Sociedade Mãe e Rainha. Várias questões visitam o seu coração.
[2] Idem
[3] GAZZANO, Ernesto Livacic. Mario Hiriart – El mensaje de un laico. Serie Héroes de nuestro tiempo. Editorial Don Bosco, Santiago, 1997
[4] PAPA FRANCISCO. Homilia. Festa da Apresentação do Senhor – XXIV Dia Mundial da Vida Consagrada. 1º de fevereiro de 2020 – http://www.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2020/documents/papa-francesco_20200201_omelia-vitaconsacrata.html
[5] WOLF, Pedro (editor). Chamado por Deus, consagrado a Deus, enviado por Deus – Textos escolhidos do Padre José Kentenich sobre o sacerdócio. Sociedade Mãe e Rainha, Santa Maria/RS: 2009; pág. 25