Memórias de Roma
Ir. M. Fernanda Luiza Balan – Nos dois períodos que vivi em Roma (1989-1993 e 2006-2010) aprendi a conhecer um pouco a pessoa e a personalidade do Cardeal Josef Ratzinger e, depois, do grande Papa Bento XVI. Uma de nossas Irmãs de Maria de Schoenstatt, alemã, tronou-se sua secretária desde 1977, quando ele assumiu a tarefa de Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé. Nesses meus dois períodos em Roma, morei na mesma Filial das Irmãs, à qual ela também pertence, o que nos aproximou muito da pessoa do Cardeal Ratzinger e, depois, Papa Bento XVI.
Muitas vezes, ele nos visitou
Percebi e experimentei, no período em que estudei em Roma, o quanto nosso Papa emérito, na época ainda Cardeal, possui uma personalidade muito educada, de uma delicadeza e bondade marcantes, muito modesto, sábio e sereno, fiel testemunha de um profundo amor à verdade na sua consciente pertença a Cristo no serviço da Igreja. Muitas vezes, pela manhã, cruzava com ele na Praça de São Pedro, quando eu ia tomar o ônibus para ir à Universidade, e ele, a pé, com seu terno preto sacerdotal, se dirigia ao seu posto de trabalho, próximo à grande Sala Paulo VI. Sua residência era bem próxima do Vaticano.
Como Irmãs de Maria, tivemos a felicidade de recebê-lo, como Cardeal, várias vezes em nossa casa, na via Aurélia Antica, já antes da inauguração do Santuário Cor Ecclesiae, em 22 de outubro de 1990, da qual ele participou com outros cardeais e bispos; entre eles, Dom Camilo Ruini, Vigário Geral de Roma, que inaugurou o Santuário, Dom Lucas Moreira Neves, nosso ex-Primaz do Brasil, outros sacerdotes e membros da Família de Schoenstatt da Alemanha e de Roma. Uma ou outra vez o Cardeal Ratzinger celebrou a santa missa para nós, Irmãs, no Santuário, oficiou a bênção do Santíssimo Sacramento e depois, nós entretecíamos um belo diálogo no café da tarde.
Como ele não pôde estar presente na inauguração do Santuário Matri Ecclesiae, em Belmonte, no dia 8 de setembro de 2004, foi atencioso e não deixou de fazer uma visita, em novembro do mesmo ano, ao recém inaugurado Santuário Internacional de Schoenstatt, em Roma.
Eram liturgias do céu
Nos anos 2006-2010, pude novamente estar próxima do Papa Bento XVI, pois, como Irmãs de Maria, tínhamos o presente de lugares especiais para participar de suas missas, nas quais, muitas vezes, pude receber pessoalmente a Comunhão de suas mãos. Participei de concertos de orquestras famosas, que o homenageavam por vários motivos, como por exemplo, em 2007, quando completou 80 anos ou celebrava nas diversas Basílicas Papais ou em outras Igrejas de Roma. Realmente, pude experimentar uma “liturgia do céu”, onde Deus recebia tanta honra e glória, em um ambiente sagrado e repleto de fé. Reinava profundo silêncio, pureza, harmonia nas orações e nas belíssimas homilias, nos arranjos festivos, na música sacra e na iluminação majestosa. Tive a oportunidade de rezar com ele e nossas Irmãs a oração do ofício da tarde, na sua Capela particular, em Castel Gandolfo, na belíssima região dos Castelos Romanos, e participar, com alguns parentes, em uma audiência geral pública neste magnifico local, numa linda manhã de agosto de 2009.
Como assessora nacional da Comissão Vida e Família da CNBB (1996-2005), sofri muito ao constatar que vários assessores, autoridades eclesiásticas e colaboradores das diversas comissões pastorais tinham pouca simpatia e divergiam da linha teológica do então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger, para eles, era caracterizado como um tradicionalista, conservador ou até fundamentalista.
Quando ressoou: Habemus Papa, era ele!
Quando ouvi o corajoso pronunciamento ou exortação aguda e tocante do decano do Colégio Cardinalício, Ratzinger, na vigília do conclave da eleição do novo Papa, em 18.04.2005, pensei comigo mesma: que clareza e ousadia sincera, ele jamais será eleito Papa, pois são muitos os seus “inimigos espirituais” e esta fala foi muito franca e sincera.
Confirmei esta minha opinião, quando também tomei conhecimento do que disse seu irmão, Georg Ratzinger, ao receber a notícia da sua eleição como Papa, pois ele não pensava que isto poderia acontecer.
“Segundo o site Vatican News, Georg Ratzinger era um homem simples e pouco habituado à diplomacia. Nunca escondeu o fato de não ter exultado com a eleição do irmão em abril de 2005: ‘Devo admitir que não esperava – disse ele – e fiquei um pouco decepcionado… Tendo em conta os seus onerosos compromissos, compreendi que a nossa relação teria de ser muito reduzida. Em todo o caso, por detrás da decisão humana dos cardeais está a vontade de Deus, e a ela devemos de dizer sim’”. Sobre a renúncia do irmão, Georg Ratzinger disse em uma entrevista de 2011: “A idade faz-se sentir. O meu irmão deseja mais tranquilidade na velhice”.
Concluo este breve artigo considerando que, no entanto, quem guia e governa a Igreja é Cristo Jesus, é o Espírito Santo, que elege quem ele quer. Foi o que senti e constatei com alegria e gratidão, na hora em que ressoou na Praça de São Pedro: “Habemus Papam! E era ele”!
“Tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja!” (MT 16, 13-16).