O eremita é aquele que vive isolado por vocação e amor ao Senhor
Ir. M. Isabel Machado – Algo muito pouco conhecido pela maioria de nós é que pelo menos duas Comunidades fundadas pelo Pe. José Kentenich oferecem para seus membros a possibilidade de uma vida – ou até mesmo uma experiência – no que chamamos de Eremitério.
Como ressoa essa palavra, tão pouco falada hoje em dia, numa sociedade onde as pessoas vivem quase que 24 horas por dia “conectadas” umas com as outras? Falando, vendo, ouvindo, enviando mensagens, fazendo buscas, “navegando”…
Eremitério: solidão, silêncio! O que significa isso para nossa natureza humana, que possui naturalmente um impulso ao convívio social? Quantos de nós procuram estar constantemente conectados, ou pelo menos ouvindo alguma música, apenas porque não gostam de se sentir solitários? O silêncio incomoda. Para muitos leva à depressão!
Esvaziar-se de si mesmo para encher-se de Deus
E, apesar do ser humano ser por natureza um ser social, existe em cada pessoa (mesmo que muitos não o percebam) o anseio de buscar a solidão, devido a uma profundidade do nosso ser – somos feitos à imagem e semelhança de Deus – que nunca poderemos encontrar no “vai e vem” da nossa vida. Há momentos em que percebemos que tudo o que vemos e possuímos e todas as possíveis conexões não são capazes de nos preencher em nosso íntimo mais íntimo!
Santo Agostinho nos diz: “Imagina que Deus te quer encher de mel. Se estás cheio de vinagre, onde pôr o mel? É preciso jogar fora o conteúdo do jarro e limpá-lo, ainda que com esforço, esfregando-o, para servir a outro fim. Digamos mel, digamos ouro, digamos vinho, digamos tudo quanto dissermos e quanto quisermos dizer, há uma realidade indizível: chama-se Deus. Dizendo Deus, o que dissemos? Esta única sílaba é toda a nossa expectativa. Tudo o que conseguimos dizer fica sempre aquém da realidade. Dilatemo-nos para ele, e ele, quando vier, encher-nos-á; seremos semelhantes a ele, porque o veremos como é” (Tratado sobre a 1ª João 4).
Numa sociedade de consumo, com suas tendências de oferecer todo o possível, pensando ser assim capaz de saciar o desejo humano, a solidão não é algo “estranho”, mas uma urgência! Ter lugares e situações que possam oferecer à alma a possibilidade de esvaziar-se, para que Deus a possa preencher com o mel da Sua presença.
Eremitas – Uma vocação em nosso Movimento
Era desejo do Pe. Kentenich que todas as formas de vida que se mostraram benéficas na Igreja, ao longo dos séculos, também pudessem ter um lugar em Schoenstatt. Por isso, ele incentivou, na Comunidade das Irmãs Adoradoras, que fosse construído também um eremitério.
Ser eremita é uma vocação. Não é um desejo entre tantos outros desejos que uma pessoa possa ter. Também não basta ser Irmã de Maria e nem mesmo Irmã Adoradora. É uma vocação muito própria e um chamado muito especial de Deus. É Deus que chama e escolhe alguém para, além de ser Irmã de Maria, dar-lhe também a vocação de Eremita.
Desde 8 de dezembro de 1976, algumas Irmãs se decidem livremente a viver conscientemente a reclusão, o silêncio e a solidão para poder cultivar ainda mais a união amorosa com Deus. Reclusão que possui um fim maior: por meio de sua vida como eremitas, elas querem trazer um profundo espírito de fé e uma rica fecundidade apostólica à Família das Irmãs, à Família de Schoenstatt e à Igreja.
Minha experiência no eremitério
Pe. Kentenich também desejou que, em nossa comunidade de Irmãs, fosse oferecida a possibilidade, a cada Irmã que desejasse, de fazer uma experiência no Eremitério.
Foi assim que pude, por sete semanas, fazer a experiência de Eremita no meio de duas outras Irmãs Eremitas. Antes de iniciar esse tempo, a superiora das Adoradoras fez uma explicação sobre horários e atividades; os livros que usaria para os momentos da Liturgia das Horas, etc…. Há algo que ela me disse que ficou gravado até hoje. Antes de iniciarem com o eremitério, duas Irmãs responsáveis foram conversar com o superior de uma Comunidade de Cartuxos. E ele lhe disse: é Muito importante que toda pessoa que vai entrar para o eremitério seja uma pessoa com uma forte vida comunitária. O eremitério não é uma fuga – mas uma busca incessante por Deus para a salvação dos outros!
Claro que, no início, saindo de uma vida cheia de atividades, não foi tão simples me “centrar”. Mas o horário do dia entremeado de momentos de oração, trabalho, estudo, momentos livres e, principalmente, o silêncio foi trazendo uma paz interior que fazia bem – porque me unia e concentrava em Deus. Ainda que vivendo no mesmo ambiente onde viviam duas outras Eremitas, o silêncio entre nós era absoluto. Mas era um silêncio que não incomodava, porque estava repleto de Deus. E quando nos encontrávamos no corredor, os olhos que se saudavam tinham um brilho especial. O silêncio purificava e, purificando, abria a alma para Deus. Cada dia recebia pedidos de oração: por encontros que estavam acontecendo; por situações difíceis que algumas pessoas estavam passando…. Rezava no silêncio.
Posso dizer que não foi tão fácil sair do Eremitério. Me alegrei em voltar ao meu trabalho com essa experiência que foi tão importante na minha vida de Irmã de Maria. E penso que cada pessoa deveria ter, em seu dia, alguns “momentos de eremitério”, de busca por Deus no silêncio, de esvaziar o “vinagre” do seu coração para poder ser preenchido pelo mel da presença de Deus – por amor aos outros!
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