O ideal nacional desafia: sempre mais para o alto.
Karen Bueno – A transfiguração nos leva a renovar a coragem, a fidelidade, a doação, a entrega. Dom Otacílio Ferreira de Lacerda, Bispo de Guanhães/MG, falou conosco sobre isso, quando esteve em nosso Santuário, em Atibaia/SP. O tema nos ajuda a aprofundar a reflexão sobre a passagem bíblica do Tabor, iluminando a vivência do Ideal Nacional do Movimento Apostólico de Schoenstatt à luz de seu sentido teológico. Acompanhe:
Do ponto de vista teológico, o que representa a passagem de Jesus no Monte Tabor?
Resumidamente, é uma antecipação da glória do Senhor, do seu futuro, para que os discípulos, quando enfrentassem o aparente fracasso e escândalo da cruz, não desanimassem. Eles recordariam desse momento fundante para o discipulado. O rosto do Senhor será desfigurado, vai perder toda a beleza, todos os atrativos, será macerado. Mas esse mesmo corpo mutilado, esse rosto desfigurado vai ser depois o rosto glorioso do ressuscitado.
Na bíblia, o alto do monte é sempre o lugar da manifestação de Deus, onde Ele se revela. E, de modo especial no Tabor, há três pessoas que representam todos os apóstolos, toda a Igreja: João, Pedro e Tiago. Nessa transfiguração, teologicamente falando, têm duas testemunhas que dão total credibilidade ao fato: Elias e Moisés. Jesus é o pleno cumprimento da lei simbolizada em Moisés e o pleno realizador da profecia realizada por Elias. Então a transfiguração significa: “Este é meu Filho” e ele realiza a lei e a profecia. Podemos estabelecer um paralelo entre o Monte Tabor e o Monte Sinai. No Sinai, Moisés recebe a Lei, no Monte Tabor, Jesus é a própria palavra do Pai.
A transfiguração é um convite a ouvir e a reconhecer a presença de Jesus glorioso, vencedor, mas também caminhar com ele no carregar da cruz, no mistério da paixão cotidiana, para com ele também ressuscitar. A transfiguração é importante para mim, para você, para todos que meditam, para caminhar na planície do cotidiano, ela é uma antecipação da glória que haverá de se manifestar, mas só poderá alcançá-la quem suportar o peso da cruz cotidiana.
O que nos traz a imagem do Cristo transfigurado? Como podemos nos assemelhar a ele?
Essa imagem deve nos acompanhar sempre, para nunca desanimarmos nem desistirmos diante das provações e dificuldades. A transfiguração é para afastar o aparente fracasso da cruz. Humanamente falando, a cruz se apresentou como um fracasso, mas pelo mistério da fé, é a nossa vitória. Então a transfiguração é um momento importante, fundante, imprescindível e indispensável em nossa fé.
Vale a pena ouvir e seguir Jesus, ele é o Filho amado, por isso então escutá-lo e colocar em prática a sua palavra. Ao monte subimos, nós procuramos os Santuários para nos reabastecer e fortalecer, porque o combate cotidiano nos desgasta e a luta nos consome, então precisamos muitas vezes de lugares sagrados para nos refazermos e nos colocarmos diante do mistério. A subida ao monte é o encontro com Deus e quanto mais nos encontrarmos com Deus, muito mais estaremos nos encontrando conosco mesmos e com o outro. Quanto mais a humanidade se aproxima de Deus, mais perto da felicidade ela está. Numa palavra mais direta, não há futuro, não há perspectiva, não há realidade sem um encontro íntimo, silencioso e orante com Deus.
A passagem do Tabor tem a dimensão da subida, ao encontro do Pai, e também de descida, ao encontro dos homens – essa perspectiva de missão.
Quais são nossos atuais momentos de Tabor? O que devemos fazer a partir deles?
Eu creio que a gente vive concretamente a subida ao Tabor, sobretudo, na Eucaristia. Por isso que a Igreja diz que a Eucaristia é o ponto alto e a fonte da vida da Igreja. O momento especialíssimo em que nós subimos ao Monte Tabor é quando celebramos a Eucaristia. Posso celebrá-la num vale, mas eu subi ao Monte Tabor. Ela é o ápice e o cume da nossa vida. Evidentemente que a gente também experimenta o Tabor quando nos recolhemos em práticas devocionais: a Via Sacra; o próprio Terço meditado eleva a nossa alma e nos coloca em contato direto com Deus; quando silenciamos. Há, agora, o estímulo da Igreja para a prática da leitura orante da palavra de Deus e quando essa palavra tem espaço em nossa vida, é o momento no qual a gente sobe ao Monte Tabor. Creio que na Quaresma, é preciso vivenciar o momento fundamental do sacramento da Penitência e Reconciliação. Depois, têm vários outros momentos privilegiados que a gente poderia citar, mas todos eles voltam e nascem da Eucaristia, da Santa Missa dominical e, tanto quanto possível, cotidiana.
Então se vamos à Missa todos os dias, vamos ao Tabor…
Esse é um jeito de todo dia ir “ao Monte”. Quem participa ativa, consciente, plenamente e piedosamente, sai da Missa sentindo que fez uma experiência que transforma a vida. A Eucaristia bem participada tem um ‘antes’, um ‘durante’ e um ‘depois’. Gosto de dizer que a Missa não começa e nem termina, ela é um momento fundante, importante da nossa vida e continua com a nossa missão, até o próximo encontro eucarístico. Digo sempre: de Eucaristia em Eucaristia vamos caminhando rumo à casa do Pai. Acreditar piamente na Eucaristia, celebrá-la piedosamente e vivê-la intensamente. Muito mais do que acreditar, é celebrar. Uma espiritualidade verdadeira tem que ser eucarística, isso é subir ao Monte, isso é contemplar o Cristo Transfigurado, sem dispensar a cruz.
A filialidade heroica, o filho totalmente imerso e entregue ao Pai é um elemento do Tabor.
Que conselhos o senhor nos dá para alcançarmos essa profundidade na relação filial com o Pai?
Acredito que para ouvir a frase “este é meu filho amado”, ser aquele no qual o Pai coloca toda a sua alegria, sobretudo nos Santuários de Schoenstatt, nós temos uma Mãe mestra. Acho que Maria é a melhor pessoa para responder a essa pergunta. Toda devoção à Virgem Maria, para ser autêntica, implica escutar o que ela disse em Caná e que vai continuar falando para todo o sempre: “Fazei tudo o que o meu Filho vos disser”. Em primeiro, o que eu poderia dizer é: peçamos sempre a Maria para nos ensinar a viver a obediência a seu Filho. Ela, melhor do que ninguém, viveu e acreditou na proposta divina. Ela, melhor do que ninguém, pode nos ensinar a ouvir o Filho amado e pôr em prática a palavra. Algumas vezes os Evangelhos dizem que Maria guardava tudo no silêncio e meditava no coração, então o segundo ensinamento que a gente poderia levar é saber fazer silêncio para ouvir o que Deus quer de nós. Isso é um aprendizado que a gente tem com Nossa Senhora. Num mundo de tantos ruídos, tantos barulhos e tantas propostas, nós não podemos nos perder. Quem não souber fazer silêncio, acabará sendo levado pelos ruídos e barulhos do cotidiano. Um coração silencioso significa um coração solícito, que atende ao que Deus quer. É preciso saber fazer silêncio. Muitas vezes o silêncio assusta as pessoas, que se refugiam nos barulhos, nas telas do celular, e é difícil parar para ouvir o que Deus quer de nós. Às vezes a gente até pergunta: “Senhor, o que queres de mim?” Mas na hora de ouvir a resposta, saímos correndo. E é certo de que Deus quer a nossa felicidade, mas toda felicidade, para ser alcançada, implica sacrifícios, abnegação, renúncias, isolamento, purificação, amadurecimento e as podas necessárias. A videira dará frutos, mas ela tem que suportar as podas.
A transfiguração bem celebrada nos leva a renovar a coragem, a fidelidade, a doação, a entrega. Viver a Quaresma sob a luz da transfiguração do Senhor é acreditar que todo sacrifício feito por amor tem seus frutos, seus méritos e retornos. A Transfiguração pede também nossos sacrifícios e empenhos. Deus nos dará a glória futura, mas na medida em que a gente tiver coragem de assumir a cruz. Se celebrarmos [o Tabor] com esse pensamento, creio que sentiremos a mesma alegria e emoção que Pedro, Tiago e João sentiram no alto da montanha. Transfigurar-se com o Senhor é experimentar, dia após dia, o mistério da sua paixão e morte, para com ele também ressuscitar.
Publicado em março de 2017
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