“O centro é o desprendimento total de si mesmo e o abandono radical a Deus. Isso perfaz a personalidade livre!” (Pe. José Kentenich)
Karen Bueno – Olhando a situação crítica dos presídios brasileiros, que ganha cada vez mais destaque na mídia nacional pelas recentes barbáries, certamente que a resposta pode ser: “Sim, há um novo Dachau brasileiro na atualidade”.
Reservadas as devidas diferenças entre os perfis dos encarcerados, também entre os tempos históricos nos dois contextos, algumas semelhanças se encaixam. O Papa Francisco visitou os campos de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, fazendo esse paralelo: “Eu não gostaria de vos deixar amargurados, mas devo dizer a verdade. A crueldade não acabou em Auschwitz, em Birkenau: também hoje. Hoje! Hoje se tortura as pessoas; tantos prisioneiros são torturados, para fazê-los falar… É terrível! Hoje existem homens e mulheres em prisões superlotadas: vivem – perdoem-me – como animais! Hoje existe essa crueldade”.
O Santo Padre, ao se colocar na posição dos que sofrem, é capaz de sentir misericórdia e revela sobre si mesmo: “Tenho um especial carinho pelos que vivem na prisão, privados da liberdade. Fiquei muito ligado a eles, por essa consciência do meu ser pecador. Cada vez que entro numa prisão para celebrar uma missa ou para uma visita, tenho sempre este pensamento: ‘Por que eles e não eu? Devia estar aqui, merecia estar aqui. A sua queda poderia ser a minha, não me sinto melhor do que os que tenho perante mim’. Por isso repito e rezo: ‘Por que eles e não eu?’ Poderá impressionar, mas consolo-me com Pedro: renegara Jesus e, apesar, disso foi escolhido”.
Por que eles e não eu, que sou pecador?
Mais do que criticar o sistema prisional brasileiro, ou questionar os métodos de ressocialização aplicados, a Aliança de Amor estimula a olhar para a própria realidade pessoal e perceber o que se faz, individualmente, entre os meus, por uma cultura de liberdade, tanto física quanto interior.
Em 1942, Pe. José Kentenich entregou toda sua liberdade exterior – e, na realidade, também a vida, pois havia grande possibilidade de não sobreviver ao campo de concentração – pela liberdade dos seus filhos. Até hoje a Família de Schoenstatt vive sobre essa dádiva, vive imersa na conquista do Pai. Mas, esse grande ato de amor é também um convite a seguir seu exemplo. Se valorizamos a liberdade presenteada pelo Pai, como podemos levá-la aos nossos irmãos?
Em busca de uma cultura de liberdade
Quando o pecado toma conta, o coração humano pode ser um grande campo de concentração, como diz o Pai e Fundador: “Os pecados nos roubam o direito à paz, à alegria e à liberdade dos filhos de Deus”. Muitas pessoas precisam descobrir o sentido da verdadeira liberdade, que, indica o Pai, foi aquela vivida por Jesus: “Durante sua vida terrena, Cristo, antes de nós, viveu esta liberdade interna e externa e nos estimulou, frequentemente, a imitá-lo”. Segundo o Pe. Kentenich, essa total liberdade interior alcança-se, como Jesus, fazendo sempre a vontade do Pai.
Seria bonito se, com exemplos concretos, alcançássemos muitos presídios brasileiros testemunhando o amor do Pai, que presenteia a cada um a liberdade. Mas, dificilmente isso se tornaria realidade, por motivos que não se cabe questionar aqui. Por outro lado, é possível viver a liberdade no dia a dia e, a partir dela, contagiar as pessoas próximas.
Começando no pequeno, almeja-se alcançar o mundo todo
O Papa Francisco explica isso de forma bem prática: “Se você tem um amigo, uma amiga que não crê, não deve dizer-lhe: ‘Você tem de crer por isso e por aquilo’ e explicar todas as coisas. Isso não deve ser feito! Isso se chama proselitismo e nós cristãos não fazemos proselitismo. O que se deve fazer? Se não posso explicar, o que devo fazer? Viver de tal forma que seja ele ou ela a lhe perguntar: ‘Por que você vive assim? Por que você fez isso?’ Aí sim, você explica”1.
Aqui, cabe questionar-se:
Como experimento a liberdade que o Pai me presenteia? Sei valorizá-la? Quais pessoas estão ao meu redor que necessitam experimentar a verdadeira liberdade?
Na vida diária é possível se deparar, muitas vezes, com momentos de Dachau. Por exemplo, quando se é ferido pela injustiça, pela falta de liberdade, de direitos, pela renúncia de coisas ou pessoas queridas, com a perda de bens, a crise econômica… O que diz, diante disso, o exemplo do Pe. Kentenich? Dentre tantas coisas, que essas renúncias podem ser uma grande oportunidade. Quando as coisas indesejadas são colocadas, livremente, a serviço dos demais, elas se tornam uma atitude concreta por uma cultura de liberdade, especialmente se oferecidas na talha do Capital de Graças.
1 Homilia, 16 de janeiro de 2027