A vivência da filialidade como fundamento do ser cristão
Ir. Neiva Maria Pavlak – Nos Evangelhos encontramos a grande novidade que Jesus veio trazer ao mundo: o anúncio de que Deus é verdadeiramente seu Pai e nosso Pai. Ele nos revela o rosto de um Pai amoroso e misericordioso que “amou tanto o mundo, que entregou o seu único Filho para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).
Em todas as suas manifestações Jesus mostra, por seu ser agir, que é filho do Pai eterno. E o Pai, por sua vez, pelo menos em duas situações específicas, revela ser seu Pai: no Batismo no rio Jordão (Mc 1, 11) e na transfiguração no Monte Tabor (Mt 17,5). Deste modo, o Novo Testamento nos aproxima de Deus, como é próprio numa boa família.
Por que será que Jesus procura, com tanta insistência, despertar nos seus a realidade da graça da filiação divina?
Simplesmente porque sabe que este é o caminho pelo qual devemos retornar ao coração do Pai! Certa vez ele adverte aos seus apóstolos: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3).
Ao se referir a esta passagem do Evangelho, o Pe. José Kentenich explica que ‘Jesus quer nos dizer aí duas coisas: se não tiverdes um novo ser filial divino, semelhante ao de Deus, e um novo sentido filial nobre, semelhante ao de Deus, não podereis entrar no Reino do Céu, de modo algum ou não de um modo como convém a um filho de Deus’. [1]
Filhos autênticos, com DNA divino
Baseado nos ensinamentos de Jesus, Pe. Kentenich diz que somos filhos adotivos, porque participamos da herança do Unigênito, recebemos o nome do Filho Unigênito.
Mas, ele também diz que filiação em relação a Deus significa muito mais que uma simples “adoção”, no sentido comum da palavra. O pai adotivo não pode dar a seu filho adotivo a sua vida. Eis o que é original: o Pai Celestial faz-me participar de sua vida divina.
Essa é, realmente, uma participação misteriosa: “O que o Unigênito possui, em virtude da geração, recebemos por meio de uma participação misteriosa e que vem do interior. A Santíssima Trindade está em mim e faz-me participar continuamente de sua vida. Este é o mundo do qual nós devemos nos impregnar” [2]
Pe. Kentenich também se refere aos ensinamentos de São João Evangelista que, na sua pregação, dirige-se aos seus chamando-os de filhinhos: “Vede que prova de amor o Pai nos deu: somos chamados filhos de Deus e o somos de fato!” (IJo 3,1). E que também São Paulo nos conclama: “Não recebemos o espírito de escravos, mas o espírito de filhos por meio do qual clamamos: Abba! Pai! E o próprio Espírito assegura ao nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rom 8, 15s; Gal 4,6).
Por todas essas afirmações podemos concluir que a filialidade, o ser e o agir filial, é o elemento essencial do cristianismo, é o nosso caminho para o Céu. Todos nós, os batizados, podemos dizer que pertencemos à nobreza, porque somos filhos do Rei.
Aplicando na prática esse sentido de nobreza, Pe. Kentenich afirma:
“Talvez eu possa dizer: na vida da minha família, na vida de meus pais e avós, quantos pontos obscuros podem ser notados; não posso me orgulhar disso. Mas tenho outro nascimento, um novo nascimento em Deus! Este é propriamente o sentimento de vida divino, semelhante ao de Deus, que eu deveria cultivar em mim se, na realidade, eu estivesse penetrado profundamente por este novo ser. O mundo de hoje precisa disso. Não podemos cansar demais o mundo de hoje simplesmente com prescrições éticas (embora estas sejam necessárias!). Hoje devemos acentuar muito mais o que é conforme o ser, também entre nós. Que nobreza se eu estiver cativado por esta verdade: não apenas esta ou aquela, mas: nasci de Deus, sou filho de Deus no sentido mais completo e genuíno da palavra, como a Sagrada Escritura e a teologia dogmática nos ensinam!” [3]
Fotos: Schoenstatt International Communication Office 2014
[1] KENTENICH, Pe. José. Movido pelo Espírito – Textos escolhidos sobre o Espírito Santo. Ed. Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt. São Paulo/SP; pgs 70 e ss
[2] Idem
[3] Ibidem, pg 73.