Por que vale a pena escolher o caminho que Deus indica, apesar do sofrimento?
Romulo Romanato – Pe. José Kentenich foi avaliado superficialmente e considerado habilitado para ser transferido ao Campo de Concentração de Dachau. Entretanto, ele não tinha um pulmão, ou seja, possivelmente, em outra avaliação médica criteriosa, ele seria considerado inapto por esse motivo e poderia ser liberado. A Família de Schoenstatt insistiu para que ele se submetesse a outro exame médico, porém, ele recusou.
Em 20 de Janeiro de 1942 ele disse o seguinte:
“A noite inteira lutei comigo mesmo para reconhecer a vontade de Deus. Então tive clareza. Não vou aceitar a solicitação. Se posso escolher e decidir, então, para mim deve ser a morte, algemas, e para a Família (Movimento de Schoenstatt), a liberdade. […] Assim, no dia 20 de janeiro de manhã, durante a Missa, ofereci conscientemente minha liberdade” [1]
Humanamente pensando, talvez essa decisão não seria lógica, porque logo pensaríamos o quanto ele tinha ainda a fazer no Movimento e “vai se arriscar?”. Mas poucos entenderam o que estava em jogo: “a sua liberdade interior”….o “desprendimento”…..o “adsum” tantas vezes pronunciado, que quer dizer: eis me aqui!
E assim ele foi transferido, da prisão de Koblenz, para o Campo de Concentração de Dachau.
Uma decisão que desafia a lógica
Em 2017, com a Márcia e nossas filhas, Gabriela e Giovanna, tivemos a oportunidade de conhecer tanto o local da prisão de Koblenz, quanto o Campo de Concentração de Dachau. São praticamente 500 km de distância um do outro, mas é como dizer a distância que separava a terra do inferno, porque aquele campo de fato era. Ali não tem como não sentir, ainda hoje, o sofrimento presente no ar e em cada centímetro de seu chão, onde correram sangue, lágrimas, suor, sofrimento puro. Nesse inferno, nosso Pai e Fundador fez o céu. Aquele 20 de janeiro possibilitou uma das experiências mais profundas no ser do Pe. José Kentenich.
Hoje queremos, na verdade, refletir é sobre a sua decisão. Uma decisão heroica, uma decisão contrária à lógica, uma decisão na contramão da racionalidade.
Nossa vida também é cheia de caminhos e decisões
Sabemos que não é como o mundo age, nem tampouco como a sociedade pensa. Muito pelo contrário: procurar o caminho mais fácil é sempre a primeira opção. Fazer acordos, se juntar à maioria, enfim, tudo aquilo que acabamos vendo em nosso dia a dia. O homem busca a todo instante fugir do sofrimento. Fico pensando nos milhares de profissionais de saúde que tiveram a possibilidade de se furtar de trabalhar diretamente na pandemia, mas resolveram dizer sim e, arriscando suas vidas, o fizeram para salvar outras. Talvez outros com medo, fizeram o contrário, desistiram e conseguiram se livrar desse trabalho.
Se pararmos para pensar, a todo momento estamos diante de um caminho com uma bifurcação: ter uma decisão baseada na fé, nas nossas convicções, ou decidir conforme o melhor de meus interesses, naquele momento.
O 20 de Janeiro nos desperta para algo mais nobre:
acreditar que Deus está no comando de tudo e que o caminho certo a seguir nem sempre será o mais fácil, mas com certeza estará em acordo com a minha consciência e com a vontade de Deus para a MINHA VIDA.
Esse detalhe (para a MINHA VIDA) é deveras importante: temos gente demasiadamente preocupada em convencer os outros sobre suas próprias convicções e, às vezes, de modo ignorante, na base do grito: Jamais esse é o sentido do 20 de janeiro. O que temos que pensar é que, através do “meu sim”, através da “minha decisão”, devo ser uma testemunha e muitas vezes uma testemunha anônima e que talvez ninguém saberá o porquê da decisão. Não preciso, como as vezes brincamos, me colocar em destaque, desfilar com uma melancia no pescoço, como se dizia antigamente. Nosso Fundador não fez isso, Santo não faz isso e quase ninguém soube do detalhe de sua decisão.
E, nesse sentido do anonimato, vamos construindo a nossa vida que, de modo orgânico, impregna os nossos semelhantes, agrega nos meios em que vivemos e contagia. É a osmose do bem, mesmo sem me dar conta, os outros, que nos observam a todo instante, são movidos, como disse, mesmo sem saber.
Vamos exercitar o 20 de janeiro em nossa vida
Se você parar um minuto para refletir, verá que teve e terá muitas oportunidades para exercitar, em sua vida, o “20 de Janeiro”. Vou contar alguns momentos vividos, de acertos e erros, porque a vida é assim, tomamos decisões acertadas e outras nem tanto e pagamos, às vezes, um preço alto por elas.
Tínhamos poucos anos de casados, tivemos a nossa filha Gabriela e a padaria que tínhamos não estava bem de finanças, pois estávamos vivendo o Plano Collor, que confiscou todos os valores e foi uma recessão total. Faltava quase tudo para nós.
A Márcia recebeu uma proposta de ser gerente de um restaurante de fast food em São Paulo. Proposta salarial muito boa, que nos deixaria mais tranquilos, mas ela teria que deixar a Gabi cedinho com a mãe dela e só pegar à noite. Tinha os trabalhos de final de semana, etc…
Pensamos e decidimos que, apesar da melhora financeira, os transtornos que poderíamos causar na criação de nossa filha seriam de um risco grande e decidimos dizer não. Fomos bem criticados por uma parte da família, porque o pensar é sempre que “pela melhora financeira” vale qualquer sacrifício.
Continuamos um bom tempo com nossas dificuldades, mas depois tudo foi se acertando e depois, olhando para trás, vimos que foi a melhor decisão.
Um outro momento:
já com a empresa grande, sofremos uma fiscalização e, para livrá-la de supostas irregularidades, foi nos solicitado uma “ajuda” para que tudo fosse resolvido. Uma pressão enorme, com consequências de multa, processo, etc….. Estava muito fácil de nos livrarmos do problema, pois era só pagar e tudo se resolveria. Eu escrevi, então, uma carta de próprio punho explicando porque não agiria daquela forma, os motivos e entreguei a ele. Até achei que ficaria sensibilizado, mas a multa veio e com tintas mais firmes, mas não teve problema não, parcelamos e pagamos. Tudo terminou bem!
Mais adiante tivemos a proposta de venda da Fábrica e achamos que nosso tempo de empresários tinha sido concluído…. E depois de muito pensar, vendemos… Acho até hoje que não foi a melhor decisão, porque ela estava grande e o medo de não conseguir administrar, iludidos pela independência financeira, acabamos dizendo sim (pensar no momento, fugir dos problemas).
Adiantou nada, porque a multinacional que comprou, depois de mudanças na sua diretoria, acabou declinando do interesse na continuidade dos produtos. No fim acabamos recomprando algumas máquinas, voltamos ao negócio e a nova fábrica já está maior do que a primeira. Ou seja, às vezes tentamos fugir dos nossos destinos, mas o bom Deus trata de nos reeducar.
Teria muitas outras histórias da vida real, apenas para ilustrar, pois decidir pelo certo custa muito no primeiro momento, causa muitas vezes grandes sofrimentos, mas depois colhemos bons frutos. Importante é se dar conta de que ir pelo mais fácil, pelas soluções simplistas, na maioria das vezes não termina bem e assim pagamos um preço caro. O importante é sabermos que quanto mais ligados estivermos ao bom Deus, melhor sempre será nossa decisão. Somos humanos e podemos sim errar, faz parte de nosso aprendizado e não se envergonhe disso. O passo seguinte é reconhecer o erro, tentar corrigir e seguir em frente.
Pe. Kentenich viveu intensamente o 20 de janeiro em inúmeras situações e somente quem viveu desse modo pode nos ensinar. E ele ensina a todo instante a sermos os filhos heroicos, olhando para Jesus, olhando para nossa Mãe Santíssima.
Jesus Cristo foi o Filho Heroico em toda sua plenitude, pois cumpriu sua missão, cumpriu fielmente a vontade do Pai.
A Mãe de Deus seguiu seus passos, de modo heroicamente.
Vem Senhor, nos ajudar, vem Senhor nos ensinar a sermos Filhos Heroicos, como nosso Pai e Fundador o foi. Que a Mãe de Deus nos eduque nesse caminho!
Que o 20 de janeiro seja em nós impregnado até o mais fundo do nosso ser…. Coragem!
[1] KENTENICH, José. Livre em algemas, novena, pág. 6
Primeira publicação: 20 de janeiro de 2021
Parabéns! Nossa, como gostei de saber da informação de vivência do 20 de janeiro pelo Pe. Kentenich. Realmente é muita doação.