Reflexões para a Quaresma
Pe. Carlos Padilla – A imagem do monte é de grande ajuda para nós no caminho desta Quaresma. Um comentário reflete uma atitude frequente em nossa vida: “Estamos muito ocupados com bilhões de atos pequenos que só servem para seguir adiante. De modo que não adquirimos o costume de contemplar nossa vida de fora e dizer-nos: É isso tudo? É isso tudo o que quero? Falta-me algo?”.
A planície nos faz caminhar sem olhar com certa distância nossa vida. Estamos demasiado preocupados com o urgente, o necessário, e nos esquecemos do gratuito. Deixamo-nos levar pela vida frenética e, no entanto, não avançamos. O protagonista do filme ‘O Castor’ dizia: “Loucura é fingir que as coisas como estão agora é como têm que estar toda a vida”. Nos conformamos com nossa vida tal como é, sem confiar que ela pode mudar; a convertemos em rotina, em uma obrigação inevitável e não somos capazes de ver, com objetividade, em que poderíamos melhorar. Subir ao monte nos ajuda a tomar distância de nossa pequena vida com seus problemas diários.
Caminhar às alturas, e esquecermos por um momento de tudo o que nos afligi e inquieta, é uma necessidade, não apenas um conselho. É fundamental que aprendamos a buscar o silêncio, deixando para trás a confusão, mesmo que nos custe muito, por isso é bom que nos perguntemos: “Por que o silêncio nos incomoda? Por que encontramos alívio em tanto ruído?” O ruído da planície é a bagunça de nossa própria vida, cheia de pequenos e grandes problemas, cheia de urgências e necessidades. É o ruído que não nos permite saber que coisas podem mudar em tudo o que fazemos. Nos acostumamos ao ruído e nos custa o silêncio. O tempo de Quaresma nos anima a buscar o silêncio. No monte encontramos paz. A qual monte podemos subir para ver, com alguma distância, aquilo que no dia-a-dia nos inquieta tanto?
Alguns conselhos
Alguns conselhos nos caem bem nesses dias de Quaresma para percorrer o caminho com esperança: “Aprende a apreciar o que tem antes que o tempo te ensine a apreciar o que tivestes”. Porque podemos cair na reclamação constante, sem valorizar os grandes e pequenos triunfos de cada dia. Nos queixamos do que nos falta e vivemos inquietos buscando compensações. Não nos alegramos com o que vivemos, porque sempre achamos que falta algo, porque nem tudo é perfeito e não somos capazes de desfrutar das coisas simples.
Outro conselho que nos anima: “Nunca se dê por vencido se sentes que podes continuar lutando”. O tempo da Quaresma é um convite à luta, a não descansar, a não cruzar os braços. A subida ao monte nos sugere esforço e vontade firme para seguir adiante. Não nos desanimamos pela dureza do caminho. Não ‘jogamos a toalha’ ante a menor adversidade. Já dizia Toni Nadal, o tio de Rafael Nadal (tenista espanhol): “Todos que enfrentam uma dificuldade têm algum medo. Creio que a diferença entre uns e outros é que uns superam e outros não. Todo mundo, ou quase todo mundo, fica nervoso quando se apresenta um desafio. Se alguém é responsável, um pouco de medo e nervosismo aparece. Ao final te acostumas a conviver com esses medos”.
O medo põe a perder, a não chegar lá em cima, ao cume. Mas o medo não pode conosco quando o encaramos de frente e seguimos o caminho confiantes. Sabemos que podemos chegar ao alto, a confiança na força de Deus nos alimenta. Não avançamos graças a nossos méritos, a nossos talentos, mas graças ao Espírito de Deus em nossas vidas, que nos sustenta e levanta nos momentos mais delicados do caminho.
Entregar tudo a Deus
Para poder entregar o que nos pertence é preciso ter um coração muito livre e sem apegos. Por que, na realidade, o que nos pertence? De onde procedem todos os nossos direitos? Cremos ter direito à vida, mas é um dom, não é dada. O direito a um trabalho digno, a ter filhos próprios. E com tranquilidade enumeramos uma lista de direitos que protegemos com esforço. E sempre construímos sobre uma esperança, a promessa de felicidade de Deus no coração. Nesses momentos, quando mais atados estamos a nossos planos, Deus pode pedir-nos o mais difícil: “Naqueles dias Deus pôs Abraão à prova. Chamando-o, disse: ‘Abraão!’ E ele respondeu: ‘Aqui estou’. E Deus disse: ‘Toma teu filho único, Isaac, a quem tanto amas, dirige-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre um monte que eu te indicar’”.
O pedido soa excessivo. Deus havia lhe presenteado o próprio filho, aquele que tinha nascido contra toda esperança, porque Sara era estéril. Esse filho tornaria realidade a promessa feita por Deus na primeira Aliança. Deus lhe havia prometido uma descendência tão numerosa como as areias da praia e como as águas do mar. E a esterilidade de Sara tornava absurda essa promessa. Às vezes me toca acompanhar as pessoas que levam no peito a mesma promessa de plenitude e a sentem frustradas. Tropeçam também com uma esterilidade incompreensível em suas vidas. Se Deus pôs um desejo no coração, por que não surge a vida? A resposta do homem ante o que não compreende é a frustração. Abraão não havia compreendido a esterilidade de sua mulher. Havia esperado e confiado na promessa, havia buscado meios humanos que facilitassem o caminho, havia recorrido, assim, a sua criada Agar, de quem nasceu Ismael. Ele parecia ser o filho da promessa. Até que Deus lhe dá um filho próprio, um filho de Sara, Isaac. Era o filho esperado e sonhado.
A experiência que sustenta a vida de Abraão é a da pobreza. É necessário percorrer um caminho importante em nossa vida, o caminho que nos leva a experimentar nossa pobreza e nossos limites. É necessário que aprendamos a ser pobres para poder ser livres. Sendo pobres chegaremos a tratar com carinho aos pobres, aos que não têm grandes fortunas, aos que não podem nos ajudar em nada se os ajudamos, aos que necessitam e nos fazem experimentar a importância da solidariedade. Disse Bento XVI em sua reflexão face à esse tempo de Quaresma: “Precisamente a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem ser a fonte de um despertar interior à compaixão e à empatia”. Assim, sendo pobres, recordaremos que nossa vida é um dom, porque tudo recebemos de forma gratuita e nos abriremos às vidas que suplicam misericórdia, que pedem nosso amor.
Necessidade da pobreza
As crises nos fazem então mais conscientes de nossa pobreza. Porque tudo muda de um dia para outro, e não temos direito a nada. Necessitamos nos sentir pobres para poder suplicar ajuda a Deus e aos homens, abaixar-nos para que Deus nos eleve. É a experiência de sabermo-nos necessitados, carentes, incapazes de caminhar sempre sozinhos.
Não obstante, essa pobreza nos permite viver felizes com o que Deus nos presenteia a cada dia, o pão de cada dia. Essa pobreza nos libera do desejo do coração de assegurar o futuro e fazer planos. Frequentemente caímos na tentação de reclamar a Deus o que nos tem entregado, como se tivéssemos direito a tudo que sonhamos. Se não guardamos nada para o dia seguinte, superando o medo de não ter, poderemos andar vazios ante ele, livres e felizes. Poderemos ser pobres e viver com paz em meio à tormenta. Confiaremos no que Deus nos dá a cada manhã, sem temer o futuro.
Trata-se da confiança que Deus presenteia aos que aprendem a ser pobres, e os capacita para viver como os juncos ancorados no leito do rio. Os juncos se inclinam sem opor resistência, porque se resistem, se quebram. Queremos chegar a ser pobres como o junco que logo, em sua pobreza, torna a se levantar. Pobres para tomar nossa vida em nossas mãos vazias e entregá-las a Deus. Pobres, para servir sem pretensões e colocarmo-nos no último lugar, sem esperar nada em troca, simplesmente confiando. Somente confiando. Com a alma ferida como os pequenos pobres. Contudo, custa-nos muito atrever-nos a seguir o caminho sonhado para nós. Porque não nos agrada ver-nos pobres. Nos enchemos de direitos e pretensões, anseios e desejos que não são pobres.
Onde está nossa pobreza? Como chegar a ser pobres? O repetimos todos os dias. O repetimos ao contemplar a Cristo pobre em nossas mãos. O abraçamos feridos neste caminhar da Quaresma. Beijamos sua dor e sua morte. Quiséramos estar vazios de nós mesmos. Para poder encontrar algo de paz. Abraçamos, em silêncio, sua presença no coração. Pobres, como crianças pobres. Como filhos na cruz. A solidão e a pobreza da cruz nos ajudam a acolher e beijar nossa pobre cruz. Porque é pobre o madeiro que sustenta um corpo pobre. Não sabemos confiar se não confiamos. Só alcançamos suplicar, com a inocência de crianças, com a pobreza dos que sabem que não têm direitos.
A partir desse momento, quando nos fazemos pobres, podemos acolher os desejos de Deus em nossa vida. Então tudo parece ter um novo sentido. Às vezes acontece, quando as coisas nos saem bem, que chegamos a pensar que Deus, agora sim, atua e conduz nossos passos. Nesses momentos nos alegramos e pensamos que por fim Deus vai ser fiel a sua promessa, porque nos quer, porque tem se fixado em nós. Corremos o risco de pensar que quando não sofremos cruzes, é quando Deus é fiel a nós. E podemos chegar a exclamar, quando notamos sua mão misericordiosa: “Quanto Deus nos quer”.
Vemos que Deus é justo com o justo e sorrimos. Isaac crescia e vivia em paz, porque a promessa se fazia real em sua vida e na de Sara. Nada poderia então atrapalhar o caminho rumo ao cume. Por que não dura eternamente essa felicidade que acalentamos na terra? A eternidade é nossa promessa. No caminho abraçamos a cruz para acolher a vida. Nosso coração corre o risco de apegar-se aos planos próprios, às próprias decisões e esquecer que Deus é que conduz. Talvez por isso é que, quando tudo vai tão bem, surge o imprevisto. Deus pede a seu filho Abraão que o entregue tudo. O quer livre para ele. Pede-lhe o filho da promessa, pede-lhe a realização concreta de seus sonhos, pede-lhe seu apego a seus planos humanos. Deus pede o esvaziamento total, a atitude mais absoluta de desprendimento.
Deus nos pede muitas vezes que soltemos as cadeias que nos atam a nossos sonhos, a nossa concretização da promessa. Seus caminhos não são nossos caminhos. E não entendemos. Mas é certo que Deus não se conforma apenas com uma parte de nosso ser, o quer todo. Não lhe bastam nossos gritos de louvor quando tudo parece ir bem. Nem nossas demonstrações de carinho quando tudo parece ir bem. Quer que nos abandonemos, que deixemos que ele guie nossa vida. Mas nós resistimos.
Maria e Abraão: exemplos de confiança
À Maria Deus prometeu um Filho que traria a salvação ao homem. Na anunciação, ao visitar sua prima Isabel, Maria está cheia do Senhor e se sente tocada pela mão do Altíssimo. O filho de Isabel salta de alegria. Como temer então, quando tudo parece tão seguro? Contudo, o caminho de Maria passou pelo desprendimento mais absoluto. Maria é Mãe, a Mãe do menino que ia tornar realidade a grande promessa que vivia no coração do homem, no coração do povo judeu. Cuidou dele com carinho em Belém e fugiu ao Egito sem entender. O educou e viveu com ele esses 30 anos de mistério em Nazaré. Se apegou como se apega o coração de uma Mãe ao coração de seu filho. O viu crescer com alegria e sonho, talvez, que logo veria a realização de todas as promessas. Ainda que, na realidade, não compreendesse muito bem o caminho de Deus, meditava tudo em seu coração. Com humildade de filha amou a Cristo e se alegrou dos passos que ia vendo recorrer, quando compartilhava seus dias, sem pressa, em Nazaré. Logo, na distância da vida pública, entendeu que tudo se faria realidade logo, que a promessa enfim tomava rosto.
Até esse dia que Maria caiu, com dor, ao pé da cruz. Seu rosto nos recorda o rosto de Abraão subindo ao monte para oferecer seu filho. De joelhos, Maria, cheia de dor, cheia de confiança, oferece seu Filho, igual a Abraão. O entrega todo e não se reserva direitos. Não duvida, entrega o que não é seu, esse Filho que já não lhe pertence, porque sempre foi de Deus. Se faz livre pronunciando o ‘sim’ mais difícil de sua vida, o ‘sim’ mais oculto na sombras de uma morte incompreensível. O ‘sim’ cheio de sangue, ferido, no silêncio mais aterrador do Deus morto. O ‘sim’ definitivo a um caminho que parecia oculto no meio da noite e da tormenta. Um ‘sim’ aparentemente absurdo e sem sentido; mas um ‘sim’ pleno e cheio de esperança. Um ‘sim’ que parecia pôr ponto final à realização da promessa.
Por que Deus cria o desejo se logo não permite que se faça realidade? Seus caminhos não são nossos caminhos. E falta muita confiança para não duvidar. Porque o pensamento normal é pensar que o fato de Deus nos pedir a renúncia do que mais queremos nos parece cruel. Por que Deus faz esse pedido que acaba nos rompendo a alma? Nos surpreende que Deus nos peça o que mais necessitamos para viver, para que possamos chegar a tocar a plenitude, para ser homens de verdade.
Não entendemos que seja necessário um pedido tão louco e doloroso. Talvez estejamos tão atados a nosso desejo, ao que enche o coração, que nos parece impossível viver de outra maneira. Temos nos acostumado a uma vida determinada e pensar em algo diferente nos resulta loucos. Sem tomar distância, sem subir ao alto de um monte para ver a vida de uma forma diferente, pensar em deixar o que neste momento enche o coração é uma loucura impensável e inalcançável com nossas próprias forças.
Maria, Abraão e nós
O caminho de Abraão, o caminho de Maria, é nosso próprio caminho. Aprender a percorrer este caminho é parte de nossa vocação à santidade. Deus exige que nos desapeguemos para atar-nos ao único que nos presenteia a plenitude da promessa. Sem medo de perder, com a confiança de saber que lhe damos tudo. O que temos que entregar a Deus? O que nos ata?
A disponibilidade de Abraão choca com nossa pouca abertura a desprender-nos de nossas ataduras e de nossos planos. Abraão obedece sem duvidar: “Chegados ao lugar indicado por Deus, Abraão ergueu um altar, colocou a lenha em cima, amarrou o filho e o pôs sobre a lenha em cima do altar. Depois, estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.
O pai e o filho caminham até a liberdade do coração. Talvez Abraão fosse escravo de seus desejos. Talvez não tivesse se colocado totalmente nas mãos de Deus. É o mesmo que ocorre a nós, que vivemos apegados ao que desejamos e não queremos deixar nada do que amamos.
Dizia o Pe. Kentenich: “A relação com Deus é uma relação de amor, e se é realmente assim ele supõe um gradativo desprendimento de mim mesmo e de tudo que não seja de Deus ou esteja contra Deus. Temos que fazer pequenos sacrifícios para que toda nossa vida seja um único e grande ato de amor”. Amar a Deus, experimentar o amor de Deus em nossa vida, nos leva a livrar-nos de todas nossas ataduras. Mas custa-nos entregar-lhe tudo. Os apóstolos que acabavam de escutar a possibilidade de cruz em suas vidas não entendiam. Tinham o coração apegado a seus planos. Não compreendiam que a morte de seus projetos podia ser o caminho de plenitude que sonhavam em seu coração. Por isso era tão necessário subir ao Tabor.
Porque ali, no alto do Monte Tabor, vão compreender o mistério do amor de Deus, do mesmo modo como Abraão entende no monte Moriá que Deus o ama. Porque o amor de Deus é libertador, e cura nossas feridas, abrindo-nos a uma nova esperança. O amor de Deus se manifesta na voz do anjo: E eis que o anjo do Senhor gritou do céu, dizendo: ‘Abraão! Abraão!’ Ele respondeu: ‘Aqui estou!’. E o anjo lhe disse: ‘Não estendas a mão contra teu filho e não lhe faças nenhum mal! Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu filho único’. O anjo do Senhor chamou Abraão, pela segunda vez, do céu, e lhe disse: ‘Juro por mim mesmo –oráculo do Senhor –, uma vez que agiste deste modo e não me recusaste teu filho único, eu te abençoarei e tornarei tão numerosa tua descendência como as estrelas do céu e como as areias da praia do mar. Teus descendentes conquistarão as cidades dos inimigos. Por tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra, porque me obedeceste’ (Gen 22,1-2. 9-13.15-18).
A bênção de Deus ficou gravada no coração de Abraão para sempre. Somente graças ao amor manifestado por Deus é possível caminhar em sua presença. Por isso então é possível fazer realidade as palavras do Salmo: “Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos. Guardei a minha fé, mesmo dizendo: ‘É demais o sofrimento em minha vida!’ É sentida por demais pelo Senhor a morte de seus santos, seus amigos. Eis que sou o vosso servo, ó Senhor, vosso servo que nasceu de vossa serva; mas me quebrastes os grilhões da escravidão! Por isso oferto um sacrifício de louvor, invocando o nome santo do Senhor. Vou cumprir minhas promessas ao Senhor na presença de seu povo reunido; nos átrios da casa do Senhor, em teu meio, ó cidade de Sião!” (Sal 115, 10 e 15. 16-17. 18-19).
É a presença de um Deus que nos salva. Um Deus que faz possível a promessa porque seu amor é grande. Mas necessita nossa liberdade, necessita que confiemos sem assegurar-nos à vida.
Confiar nesse amor
Todos necessitamos esperanças para seguir caminhando, para não ceder à noite e perder o caminho. “Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte sobre uma alta montanha. E transfigurou-se diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar. Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus. Então Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: ‘Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias’”.
Outro dia os pais de um garotinho me contavam a reação de seu filho ao contar-lhe que seu avô havia morrido. O menino parou pensativo. Os pais lhe disseram: “Agora o vovô está no céu. Está com o tio e com outros familiares, não está só”. Seu filho, ainda pensativo, perguntou: “Está também com Goya (um pintor espanhol)?”. Ao que parece o menino estava estudando esse pintor no colégio. Ao escutar que sim, que também estava com ele, se colocou muito mais contente e tranquilo. Porque todos necessitamos uma esperança quando escutamos a dureza da vida e da morte. Até os pequenos não querem que aqueles que gostam estejam sós. O mesmo que os discípulos que estavam angustiados e desconfiavam. Mas Jesus os levou consigo ao monte. Para que dali começassem a ver tudo de forma diferente. Ali poderiam tocar a Deus, e compreender que nunca estariam sós. É a maior realidade de nossa vida, a que nos sustenta, é a certeza do amor de Deus: “Pedro não sabia o que dizer, pois estavam todos com muito medo. Então desceu uma nuvem e os encobriu com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: ‘Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!’”
A promessa de Deus se faz real nessa voz. Deus está conosco todos os dias de nossa vida. Jesus não nos ignora: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou, e está, à direita de Deus, intercedendo por nós?” (Romanos 8, 31b-34). A promessa se faz carne. Jesus acompanha nosso caminhar.
O Pe. Kentenich dizia: “Precisamente isso é o trágico de nossa vida. O Senhor nos ama, e nos diz tanto de seu amor. E nós? ‘Oh Deus, Tu estavas dentro de mim e eu estava fora de mim’, dizia Santo Agostinho. Demasiadas vezes estamos fora de nós”. Necessitamos ir ao fundo de nosso coração para escutar sua voz, a voz de seu amor que nos sustenta. É a subida ao monte que temos de fazer. Subindo ao monte poderemos chegar ao mais profundo.
Temos que aprender a recordar as experiências de amor em nossas vidas, para logo poder seguir o caminho: “E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos. Eles observaram esta ordem, mas comentavam entre si o que queria dizer ‘ressuscitar dos mortos’” (Marcos 9, 2-10).
O amor se faz concreto e surge um novo caminho. Ante Abraão aparece uma vítima para o sacrifício: “Abraão, erguendo os olhos, viu um carneiro preso num espinheiro pelos chifres; foi buscá-lo e ofereceu-o em holocausto no lugar do seu filho”. A fé se faz caminho e o caminho nos leva à vida na planície. O amor vai abrindo portas que podem seguir nossos passos e nos sustentam. Então já é possível caminhar porque compreendemos que Deus não se afasta de nós. Somo seus filhos amados. Seu amor nos dá asas para confiar e abandonar nossos temores. Necessitamos recordar sempre esse amor e não esquecer nunca sua promessa.
Texto retirado da homilia do Pe. Carlos Padilla de 04/03/2012, disponível em padrecarlospadilla.com