Livre de aparências
Pe. Carlos Padilla – Talvez por educação, ou por tendência genética, corremos o risco de sermos demasiado rígidos. Tornamo-nos rígidos quando queremos que as coisas aconteçam da forma que nos agrada, e não de outra forma. Incomoda-nos que os demais não façam o que nós fazemos, sobretudo quando somos comprometidos com eles. Tornamo-nos muito exigentes com as pessoas que amamos e custa-nos muito ser misericordiosos com seus defeitos e esquecimentos.
A rigidez nos impede de amar aos demais sem acusar-lhes, simplesmente amá-los tal como são. Sempre temos uma lista de coisas que deveriam mudar naqueles que nos cercam, para tornar-nos a vida mais fácil. Todos temos um tanto de flexibilidade e um tanto de rigidez. Mas o certo é que, quando domina em nós a flexibilidade, acontece o que eu lia outro dia: “As pessoas com uma mente flexível são mais críticas, lúcidas, justas, abertas e saudáveis, vivem com menos estresse e são mais felizes”. Contudo, quando nos colocamos rígidos, quando queremos fazer tudo sempre da mesma maneira e nos custam as contrariedades, quando não aceitamos as desculpas e medimos tudo com lupa, o normal é que nos tornemos muito críticos e fechados, soframos estresse e sejamos menos felizes, porque a vida sempre poderia ser melhor.
Walter Riso assegura: “As mentes flexíveis não temem a controvérsia e podem duvidar de si mesmas sem entrar em crise, porque aceitam com naturalidade a crítica e o erro e evitam cair em posições dogmáticas”. A rigidez vai unida à busca de certezas e seguranças. Se nos colocamos rígidos, deixamos de aceitar as críticas e nos perturbam os contratempos e imprevistos. Temos o desafio na vida de fazer-nos mais flexíveis, sem renunciar a nossa essência e princípios, sem deixar de ser quem somos. Isto exige abrir-nos às mudanças e aos diferentes pontos de vista. É o caminho para acolher a graça que pode nos transformar.
O Domingo de Ramos e as aparências
O certo é que a rigidez faz com que a imagem e as aparências nos importem muito. Caímos em uma busca doentia pela aprovação de todos. O que se vê por fora se converte no mais importante. Interessa-nos mais a aparência do que aquilo que não se vê. Claro que a coerência entre o que se vê e o que há no interior é fundamental, mas pode acontecer que, se somos rígidos, coloquemos mais acento na aparência. Pode nos importar mais que nossos filhos vão bem vestidos e penteados para a escola, no lugar de perguntar como se sentem, o que passa em suas vidas. Então a aparência parece ser algo definitivo.
Aparentamos estar sempre em forma, ainda que não estejamos. Agrada-nos parecer felizes ante os demais, sempre sorrindo, ainda que no fundo estejamos vivendo um mau momento. O que dirão é o que importa. Que pensam os demais de nós? É a pergunta que fazemos a nós mesmos e a fazemos aos outros na primeira oportunidade.
Neste domingo em que celebramos o Domingo de Ramos, encontramo-nos com algumas aparências. É o triunfo aparente do Messias. Aclamamos um Cristo entrando em Jerusalém. Para nós tem um sentido muito claro, porque Cristo já venceu, já ressuscitou e triunfou sobre a morte. Contudo, para aqueles que o aclamavam na entrada de Jerusalém, nem tudo está tão claro.
Os acontecimentos desse dia nos falam de um triunfo na terra, de uma vitória sobre os homens. Os ramos de oliveira e as vestes no chão – sobre as quais Jesus entra montado em um burrinho – são aparências. São expressão de respeito e louvor e expressão de uma vitória que nunca chega a acontecer, porque com Jesus morrem muitos sonhos humanos. Morrem os sonhos de um triunfo político. São então aparentes esses ramos porque o coração do homem não havia compreendido, todavia, onde se fazia carne o reino de Cristo.
Aclamavam ao homem dos milagres, aquele que tinha palavras capazes de mudar os corações. Aclamavam seu poder e seus gritos de alegria faziam prever um triunfo definitivo. Contudo, os corações daqueles que tanto gritavam, não viam muito mais além das aparências. Colocavam-se tão sós na superfície de um triunfo temporal, que não almejavam mudar o mundo. Viam esse Cristo homem com um poder limitado e sonhavam com algo mais.
(Foto: Adem AY, via unsplash.com)
Contemplar a cruz
Talvez por isso muitas pessoas não gostam tanto do tempo da Semana Santa. Veem-na como um tempo difícil, sem sonhos, sem alegrias e sem esperança. Veem somente a cruz e a dor. E custa muito olhar Cristo sofrendo na cruz depois de fazê-lo aclamado em triunfo uns dias antes. Custa entender o sentido de tanta dor, quando o coração humano sonha com a felicidade e com a vida.
Uma pessoa comentava comigo: “A verdade é que uma coisa é meditar ‘a cruz da vida’ e outra ver a Cristo ensanguentado e sofrendo na cruz. Uma coisa é ver a Cruz da Unidade, onde está Jesus junto a Maria, limpo, sem expressão de dor, e ver Maria segurando o cálice. E outra é ver Jesus gritando de dor e Maria chorando aos pés da cruz. Incomoda-me, de verdade, e tenho um vazio no coração e fico com um nó ao meditar a dureza da cruz”.
Talvez temos nos acostumado a contemplar Cristo sorrindo na cruz, ou a esse Cristo já glorioso que mira o alto, esse Cristo que abraça sua Mãe num sinal de esperança. Custa contemplar a Cristo ensanguentado, só, abandonado, e acompanhar sua dor, ouvir sua voz e clamar ao céu. Custam-nos essas últimas palavras de Jesus, suas sete últimas palavras, porque são um grito muito duro para nosso coração que sonha com a vida. E não desejamos compreender por que Deus não permitiu outro caminho, porque o homem não soube entender seu amor.
Foi o coração do homem que não soube acolher as palavras de vida do Senhor. Seus milagres foram mal interpretados, sua bondade foi vista como uma provocação. Um Salvador com pés humanos é um Deus demasiado frágil.
Compreender os planos de Deus
Para poder começar de maneira adequada essa semana, é necessário dar “sim” a Deus, pronunciar nosso “sim” humilde. Queremos nos unir às vozes que o aclamam para expressar nossa disposição firme de acompanhar a Jesus até a morte. O Pe. Kentenich dizia: “Somente na medida em que nos esvaziamos de nós mesmos e dos demais, podemos estar verdadeiramente sós, sós em Deus. Só assim podemos viver com ele uma santa comunhão”.
Somente esvaziando-nos poderemos seguir seus passos nesses dias santos. Por isso nos faz bem recordar nessa semana o dia da Anunciação que acabamos de celebrar. Maria disse seu “sim” ante Deus, de joelhos, com humildade de uma criança, vazia de egoísmos. Com a liberdade de uma filha. Bento XVI comenta: “É comovente ver como Deus não só respeita a liberdade humana, senão parece necessitá-la”. Deus necessita de nós, necessita nosso “sim” alegre e disposto, nossa entrega livre para fazer sua vontade. Ainda que às vezes nos seja difícil saber o que Deus nos pede.
O rei Davi acreditava saber qual era vontade de Deus. Ele somente queria construir uma casa para Deus. E o profeta Natã lhe diz: “Faz tudo que está em teu coração, porque Deus está contigo”. Muitas vezes cremos que se queremos fazer algo bom é seguro de que Deus o quer. Mas nem sempre é assim. Nem tudo o que é bom é vontade de Deus. Por isso as vezes é tão difícil escolher o caminho correto. No caso do rei Davi, Deus lhe falou ao profeta Natã e lhe pediu que detivesse as intenções de Davi: “Não serás tu quem edificará uma casa para que eu habite nela”. Davi, então, compreende que nem tudo que há em seu coração é vontade de Deus.
É Deus que vai construir uma casa a Davi, e não o contrário: “Eu te farei grande, o Senhor te edificará uma casa”. Deus rejeita o poder de Davi, sua vaidade e sua gloria. Deus o levantou entre todos os homens e não espera nenhum pagamento por essa eleição. Deus o fará poderoso, e ele, por sua parte, não tem que fazer nada mais que obedecer.
Que difícil ser humildes quando cremos que Deus nos elege por tudo o que valemos. Nos cremos fortes como Pedro e seus apóstolos ao começar essa Semana Santa. Sentimo-nos poderosos ao aclamar Jesus que parece mais forte que os soldados, mais forte que qualquer poder humano. Em nossa vaidade e soberba fica difícil entender que não somos nós, que é Deus que nos guia.
Semana de conversão
Nesta festa do Domingo de Ramos, ressoam em nossos ouvidos as últimas palavras do capitão romano, que estava em frente a Jesus e via que ele havia morrido: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus”. Com certeza contrastam com a alegria deste primeiro dia de nossa Semana Santa: “Muitos estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam apanhado nos campos. Os que iam à frente e os que vinham atrás gritavam: ‘Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!’” (Marcos 11, 1-10).
Este domingo é uma janela aberta à esperança, a um mundo novo. Alegra-nos colocar nossas vidas aos pés de Cristo, por amor a ele. O escritor inglês Evelyn Waugh dizia sobre a conversão: “A conversão é como sair pela chaminé de um mundo de espelhos onde tudo é uma caricatura absurda, para entrar no autêntico mundo criado por Deus, e é então quando começa o processo delicioso de explorá-lo sem limites”. Viver essa semana com fé, com o desejo de que Deus nos mude a alma, supõe o exercício de sairmos pela chaminé de nosso mundo de espelhos.
O capitão romano contempla a um homem morto e vê algo mais, vê a Deus, sai da rigidez de seu mundo para abrir-se a um mundo desconhecido. Os que hoje aclamam a Jesus entrando triunfante em Jerusalém, aclamam a glória do mundo que passa, veem a um homem precedido por sua fama e correm o risco de não mudar, de ficar em seu mundo. Veem o triunfo da vida nesta terra e querem permanecer nela. Porque o que está claro é que os cristãos não gostam de falar da morte. Falamos muito bem do céu, quase como se quiséssemos estar já ali disfrutando da presença de Deus e dos santos. Contudo, quando se trata de colocar data ao começo de nossa eternidade, o coração se encolhe.
Não queremos ouvir falar da morte, nos negamos a aceitar a enfermidade e desejamos que a cruz que nos toque não seja muito pesada. Teríamos que aprender de São Felipe Neri, que sempre dizia a seus filhos espirituais: “Prefiro o paraíso”. E passou seus dias na terra sonhando com o céu. Assim o expressam nestas palavras: “A verdade é que quando aprendes a morrer aprendes a viver. Te afastas de todas essas tolices e te centras no essencial. Quando te das conta de que vais morrer, o vês de uma maneira muito diferente”. Então olhamos o céu e desejamos: “Oxalá haja um céu ao final de tudo”. O caminho da Semana Santa que começamos ajuda-nos a pôr as coisas em seu lugar, porque Deus sempre vence. Não há nada impossível para Deus.
Texto retirado da homilia do Pe. Carlos Padilla de 1 de abril de 2012, clique para ver a homilia original na íntegra.
Gostei bastante dessa homilia e me faz refletir sobre o quanto somos rígidos e exigimos do mais próximo, de maneira rígida, que seja eficiente em tudo. Mas, para agente nem sempre. O triunfo dentro do mundo das aparências é um “bigbrother” onde o melhor ou o mas forte é aquele que não demonstra fragilidades, ou seja, utilizando um termo vulgar e utilizável em um recente nome de um best-seller. A sociedade nos georeferenciam para sermos rígidos e sem fraquezas. Por isso, na sexta santa ao olhar a Jesus ensanguentando, triste e machucado dar-se a impressão que o cristianismo e o próprio Cristo um derrotado. Todavia, na cruz Ele venceu por todos nós, notadamente aqueles que sofrem injustiças, traições e são considerados excluídos pela sociedade das aparências.