Fragmentos de misericórdia na vida de Engling
Karen Bueno – A palavra “misericórdia” é formada pela junção de dois termos do latim: miseratio (miséria) + cordis (coração). Assim, pode-se entender literalmente misericórdia como “coração que se debruça sobre a miséria [humana]” ou “coração compadecido”.
Na vida da Igreja, para que a misericórdia não seja apenas um conceito ou uma teoria, mas sim um reflexo do amor de Deus, são apontadas as “obras de misericórdia”: sete corporais e sete espirituais. Vamos recordar quais são:
Obras de misericórdia corporais:
1) Dar de comer a que tem fome
2) Dar de beber a quem tem sede
3) Dar pousada aos peregrinos
4) Vestir os nus
5) Visitar os enfermos
6) Visitar os presos
7) Enterrar os mortos
Obras de misericórdia espirituais:
1) Ensinar os ignorantes
2) Dar bom conselho
3) Corrigir os que erram
4) Perdoar as injúrias
5) Consolar os tristes
6) Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo
7) Rezar a Deus por vivos e defuntos
Na vida de José Engling, o jovem herói de Schoenstatt, encontramos diversos exemplos de como ele viveu essas obras na vida diária. Lendo os livros que retratam sua história, ou os escritos de seu diário, encontramos a misericórdia expressada nos atos de amor e de doação.
Neste dia 5 de janeiro, data em que nasceu José Engling, vejamos algumas lições do jovem herói que podem ser aplicadas na vida de cada um de nós. São alguns casos concretos, dentre tantos outros, onde as obras de misericórdia foram vividas:
Dar de comer a que tem fome
Diversas vezes, segundo o registro de seu horário espiritual, ele comeu uma porção menor durante as refeições, apesar da fome, para que seus companheiros tivessem mais comida. O “dar de comer”, para Engling, vai além: ele também se arriscava para conseguir alimento para os demais, como narra sua biografia:
“Por mais que os soldados sofressem fome, o suboficial Thalhofer não queria assumir a responsabilidade de enviar homens para buscar comida. A cada noite, quando tentavam fazê-lo, havia mortos e feridos. Em busca de voluntários, corria de um buraco de granada a outro… Silêncio sepulcral! ‘Voluntário? – disse alguém – por nada neste mundo correria voluntariamente no meio desse fogo infernal’. Então se ouviu uma voz: ‘Bem, eu vou’. Era José Engling. Alguns se juntaram a ele. Carregando as vasilhas rumaram em direção ao povoado, onde os esperava um verdadeiro furacão de fogo. Instintivamente, os homens se jogaram no chão, defendendo-se nos buracos abertos pelas granadas, ao lado de ingleses caídos, cujos rostos começavam já a se decompor. Com a mesma rapidez voltavam a levantar-se novamente, de um salto. Chegaram à aldeia sem saberem como”.
Consolar os tristes
Mais do que consolar, tomar a dor do outro e fazê-la sua: essa é lição de José Engling. Acompanhe um fragmento de sua biografia:
“Uma ordem (dirigida ao soldado Kofel) chegou precipitadamente à cratera em que estavam José e seus camaradas: ‘Kofel, esta noite tu tens que participar num patrulhamento. Deves apresentar-te às 20 horas no posto de comando’. Terminou de dizê-lo e partiu correndo. Kofel era um dos mais velhos e pai de vários filhos. Aceitou o anúncio sem proferir uma palavra e ficou ali, muito apreensivo. Pensava, sem dúvida, nos seus entes queridos. O patrulhamento podia significar a morte… José observou-o e sentiu pena dele. Tomou uma decisão: quando chegou a noite e Kofel se levantou, Engling aproximou-se dele e disse: ‘Fica, camarada, eu vou no teu lugar’. ‘Eu!’, disse, e se apresentou”.
Enterrar os mortos
Certamente ele acompanhou um grande número de sepultamentos e assistiu a morte com grande proximidade – ela os rondava diariamente no campo de batalha:
“Por fim, tinha passado a primeira semana e chegou a ordem: Preparar tudo para a substituição. Mas, antes, era necessário buscar os mortos. De imediato, José ofereceu-se para esta tarefa. Ali estavam, um junto ao outro. Um convincente sermão sem palavras, sobre os novíssimos (últimos destinos dos homens: morte, juízo, inferno, paraíso). Como se os ingleses tivessem suspeitado o cortejo fúnebre, fizeram calar seus canhões”.
Cemitério de Cambrai/França, para se ter uma ideia do número de mortos – muitos jovens – na região durante a I Guerra
Vestir os nus
Engling aproveitou uma situação incômoda para crescer interiormente em seu ideal pessoal:
“Quando se dispôs a buscar sua mochila, constatou que tinham lhe roubado as duas cobertas e outras coisas. ‘Isto era o fim!’ […] Ainda tremia pelo desgosto por causa do roubo desavergonhado. “Sacrifício do dia para o Capital de Graças”, dizia uma voz interior… e traçou um sinal vertical. Imediatamente, pôs de novo em vigor seu ideal de ‘ser tudo para todos’”.
Perdoar as injúrias
A primeira vez que ofereceu um ramalhete espiritual de flores para a Mãe de Deus – as conhecidas Flores de Maio – foi em 1916. Entre suas ofertas está escrito: “A violeta da humildade e da modéstia – Cultivarei esta violeta perdoando as injúrias” (entre outros pontos práticos que escolheu).
Corrigir os que erram
O importante para ele não é o ato de corrigir os companheiros, mas o COMO corrigir:
“Durante os últimos dias desta semana estive incomodado e resmungão. Certamente isto se deve ao fato que, constantemente, me pedem favores e abusam de mim, e há companheiros que têm uma conduta insuportável. […] Posso corrigir os camaradas, sem ser grosseiro. E o resto devo vencer por amor à Mãe”.
*Todos os fragmentos de texto biográficos foram retirados do livro: José Engling, Nosso Irmão Maior, de Paulo M. Hannappel, editado pela Sociedade Mãe Rainha, Santa Maria/RS: 2010.