“Deus também nos toca através das mãos dos pais, das mãos de nossos pais” (Pe. José Kentenich) [1]
Marcos Weizenmann – Sou pai! Esta pequena frase define muito de mim e de tantos homens que vivem a sagrada vocação da paternidade.
Sim! Ser pai é uma vocação! Como tal, trata-se de um chamado de Deus, um convite a ser respondido.
A vocação de ser pai guarda uma sublimidade ímpar, pois trata-se de representar entre nós humanos a figura do próprio Deus, que é Pai! Jesus nos revelou esta boa notícia de modo mais evidente: Deus é Pai, Deus é Amor. E nos ama infinitamente! Desta forma, a vocação à paternidade é a vocação a ser um transparente do Pai do Céu e assim revelar a face de Deus Pai amoroso aos filhos em primeiro lugar, mas também à esposa, aos amigos, aos familiares e para mais além.
E até Jesus, em sua pequenez ao tornar-se gente como nós, reconheceu a paternidade de Deus no seu pai terreno, São José: “Jesus viu a ternura de Deus em José.” [2]
É Deus quem toma a iniciativa em toda vocação. Deus é Pai primeiro, dele vem toda a paternidade, não é algo que vem de nossa capacidade ou maestria. É uma vocação que vem do Alto!
Nunca se está pronto na missão de tornar-se pai. Bem diz o Papa Francisco: “Não se nasce pai, torna-se tal… E não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, mas porque se cuida responsavelmente dele. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outrem, em certo sentido exercita a paternidade a seu respeito.” [3] Portanto, ser pai é um caminho de crescimento constante, de responsabilidade sempre mais amadurecida, de abertura cada vez para mais pessoas, para uma paternidade mais esclarecida e mais fecunda.
Gosto de pensar que a vocação de ser pai envolve cinco olhares essenciais, que geram vida e movimento à nossa vocação:
OLHAR A SI MESMO
Precisamos ter a coragem de empreender a aventura da autoeducação, de conhecer-nos cada vez melhor, conscientes de nossas fraquezas e fortalezas. Toda educação dos filhos começa em nós mesmos. O Pe. Kentenich nos indica: “Eu mesmo devo viver, conforme a minha maneira, o ideal que tenho para o meu filho. (…) Se procurarem resolver todas as dificuldades da educação em primeiro lugar dentro de si, então hão de ver como serão felizes em casa e gostarão de permanecer dentro de casa.”[4]
As limitações e fraquezas que encontramos em nós mesmos não têm a palavra final. O Papa Francisco continua nos ensinando: “Muitas vezes pensamos que Deus conta apenas com a nossa parte boa e vitoriosa, quando, na verdade, a maior parte dos seus desígnios se cumpre através e apesar da nossa fraqueza. (…) ‘Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza’ (2 Cor 12, 7-9). Se esta é a perspectiva da economia da salvação, devemos aprender a aceitar, com profunda ternura, a nossa fraqueza.”[5]
OLHAR AOS FILHOS
Esse é o olhar do pai por excelência, o centro do olhar e da atenção de nosso ser paterno. Assim como Deus cuida e encaminha seu povo amado, assim nós pais devemos cuidar e encaminhar os filhos: “Quando Israel era ainda menino, eu o amei (…) Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços (…). Segurava-o com laços de ternura, com laços de amor, fui para ele como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto; inclinei-me para ele para lhe dar de comer” (Os 11, 1.3-4).
Pe. Kentenich diz: “O campo principal da minha atuação paterna deve ser sempre a família, apesar de toda minha eficiência profissional, apesar da necessidade de ganhar dinheiro e apesar das atividades políticas. (…) Senão, em última análise, sou apenas um doador de pão, porém não um pai”.[6]
À medida que os filhos passam à juventude e à idade adulta, a atuação do pai é de menor protagonismo em suas vidas e decisões, mas ainda assim somos chamados a manter o olhar de ternura e generosidade, confiando o caminho dos filhos à graça de Deus e mantendo altos os ideais que agora compartilhamos com eles e que aprenderam conosco para serem os pais e mães nos novos tempos. Esta paternidade e maternidade nossos filhos poderão exercer de diversas maneiras, mas sempre levarão consigo nosso olhar de pai, reflexo do olhar do Pai do Céu.
OLHAR À ESPOSA
Ser pai é também desposar! É optar por uma vida feita em comunhão, em conjugalidade. A vida é criada na fecundidade conjugal, mas também na construção conjunta da vida e da história familiar, no fazer-se uma só carne em um só coração.
O educador e sacerdote francês Michel Quoist diz: “Decidir amar é resolver romper sua autonomia individual, é aceitar que sua solidão seja invadida.”[7]
Ao desposar o corpo, o coração e alma da esposa, a paternidade ganha a sua dimensão mais fecunda e humana. Então, o amor paternal ganha marcas de eternidade, pelo Sacramento do Matrimônio, gerando vida em casa e para bem mais além: o caráter unitivo desta esponsalidade é um sinal de esperança e de vida nova para além da família.
A paternidade e a maternidade possuem uma unidade e uma complementaridade que precisam ser redescobertas em nossos tempos de crise: crise de paternidade e crise de maternidade.
OLHAR A TODOS OS IRMÃOS E IRMÃS
Uma paternidade que é alicerçada na paternidade divina está aberta a todas as situações que acometem os irmãos e irmãs. A paternidade aos poucos amplia-se e percebe que os problemas de todos os filhos de Deus lhe falam ao coração. Esta paternidade ampliada tem um olhar semelhante ao olhar do Pai do Céu: percebe a dor das pessoas e trata de fazer sua parte.
As ações do pai em favor de seus semelhantes, a caridade com que trata os mais necessitados, a ética com que atua em sua vida pessoal, social e profissional é percebida pelos filhos e constitui um importante elemento formativo, talvez o mais importante!
Num tempo de crise da paternidade, Deus nos chama a sermos os pais que muitos necessitam.
Um bonito testemunho desta paternidade ampliada foi dado por um pai de família schoenstattiano de Milwaukee, nos EUA, que foi formado pelo Pe. Kentenich. Ele estava hospitalizado muitos dias, com saúde muito precária, e a todos transparecia a sua paternidade. Certo dia, um sacerdote recém-ordenado chegou ao seu leito para lhe dar a bênção sacerdotal. Depois de fazê-lo, esse pai lhe perguntou se o padre gostaria de receber a bênção de um pai. O sacerdote ajoelhou-se e recebeu daquele pai o sinal da cruz em sua fronte. É a paternidade que se expande para todos! [8]
OLHAR FILIAL A DEUS
A vocação vem de Deus e tem seu fim na realização do ideal que Deus depositou em nosso coração.
Deus é a fonte de nossa paternidade. Junto a Ele podemos constantemente colocarmo-nos como filhos que são acolhidos com ternura e misericórdia. Na escola do Pai, do Filho e do Espírito Santo aprendemos a verdadeira comunhão e como educar-nos a nós e nossa família.
Uma espiritualidade laical, voltada para a realidade de nossa vida cotidiana, nos ajudará na santidade de cada dia e a cumprir fielmente nosso ideal paternal.
A exemplo do Pe. Kentenich, que é para nós um grande testemunho de paternidade, saibamos ser filhos do Pai do Céu e da Mãe do Céu para podermos ser verdadeiramente pais.
Referências
[1] Kentenich, José. Às Segundas-Feiras ao Anoitecer – Diálogos com famílias. Vol 21, Nossa vida à luz da fé. Sociedade Mãe e Rainha, Santa Maria: 2008, conferência de 19 de junho de 1961.
[2] Papa Francisco. Carta Apostólica Patris Corde. p. 3.
[3] Papa Francisco. Carta Apostólica Patris Corde. p. 10.
[4] Kentenich, José. Família, Serviço à Vida – Volume 1. pp. 32 e 37.
[5] Papa Francisco. Carta Apostólica Patris Corde. p. 4.
[6] Kentenich, José. Família, Serviço à Vida – Volume 1. p. 30.
[7] Quoist, Michel. Construir o Homem e o Mundo. Ed. Duas Cidades. 24ª edição. 1973. p. 186. Brasil.
[8] Fenelon, Michael J. Richard J. Fenelon, a Man Transformed. Schoenstatt Institut of Families. 2nd Edition. 2014. p.26. Alemanha.
Publicado em 2021