O Papa Francisco, no encontro privado com a Família de Schoenstatt, fala sobre cinco temas: Família, Pedagogia, Juventude, Sociedade e Igreja. O encontro aconteceu em 25 de outubro de 2014, na celebração do Centenário da Aliança de Amor. Os anos passaram, mas, as mensagens do Papa continuam muito atuais. Abaixo você pode ler, ouvir e assistir as palavras dele sobre Família, Pedagogia e Juventude:
FAMÍLIA
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Pergunta: Santo Padre, a Providência nos tem presenteado uma bonita experiência de acompanhar e fortalecer, com a espiritualidade da Aliança, a muitos matrimônios e famílias. Constatamos, ao mesmo tempo, que muitos cristãos não têm a possibilidade de viver a beleza do Sacramento do Matrimônio. O Sínodo que acaba de terminar ajuda-nos a tomar consciência de que em muitas culturas já não existe um conceito de família unívoco. Também nos apresenta a urgência de acompanhar a tantos fiéis que vivem realidades distintas e fraturadas. Santo Padre, queremos que conte conosco neste caminho que se inicia com o Sínodo.
Diante dos desafios da família de hoje, a partir de sua experiência pastoral, que orientações nos daria para acompanhar melhor aqueles irmão e irmãs que ainda não se sentem acolhidos em nossa Igreja, e para acompanhar os noivos e famílias, de maneira que cheguem a ser uma “proposta viva e irresistível” para aqueles que buscam um caminho de realização?
Resposta do Papa: Dentro do problema que vocês tocam para fazer essas perguntas, há uma coisa muito triste e dolorosa. Penso que a família cristã, o casamento, nunca foram tão atacados como agora. Atacados de fato, diretamente. Pode ser que eu esteja errado. Os historiadores da Igreja sabem nos dizer, mas a família está sendo atingida, a família está sendo derrubada, se banaliza a família, você pode chamar família a tudo, não!?
Quantas famílias feridas, quantos matrimônios desfeitos, quanto relativismo na concepção do sacramento do Matrimônio. Neste momento, a partir do ponto de vista sociológico, se vê, desde o ponto de vista dos valores humanos, como do ponto de vista do sacramento católico, do sacramento cristão, uma crise da família. Crise porque é atingida por todos os lados e está muito ferida.
Então é claro, não temos outra escolha senão fazer algo. Então você pergunta: Que podemos fazer?
Sim, podemos fazer belos discursos, declarações de princípios, às vezes temos que fazê-los, não acha? Idéias claras. Vejam isto que vocês estão propondo, não é casamento. É uma associação. Não é matrimônio. Ou seja, às vezes você tem que dizer as coisas muito claras – e isso deve ser dito. Só que neste caso, o apoio pastoral tem que ser pessoal, “corpo a corpo”. Acompanhar, e isto significa perder tempo. E o mestre em perder tempo foi Jesus. Ele perdeu tempo acompanhando, para fazer amadurecer as consciências, para curar as feridas e para ensinar. Seguindo esta jornada juntos.
Evidentemente que se foi desvalorizando o sacramento do matrimonio e de sacramento foi inconscientemente passado para rito. A redução de um sacramento a um rito. Então se dá que o sacramento é um fato social, batizados, porém o social é o mais forte. Quantas vezes encontrei na vida pastoral, pessoas que dizem:” Por que não se casam? Estão vivendo juntos! – Não, é que tem que fazer festa e não temos dinheiro!”. Então, o social cobre o principal que é a união com Deus.
Recordo-me que em Buenos Aires, uns Padres me deram a ideia de realizar o casamento em qualquer hora. Porque o casamento civil normalmente acontece na quinta ou sexta feira e no sábado é o matrimonio sacramental. Claro que não podia lidar com os dois atos, então esses padres estão prontos para ajudar a fazer na hora que querem. Terminada a cerimônia civil, passaram na paróquia para o casamento religioso. Isto é um exemplo para facilitar a preparação.
Não se pode preparar os noivos com dois encontros, duas conferências. Isso é um pecado de omissão, de nós padres e leigos que realmente estamos interessados em salvar a família.
A preparação ao matrimônio deve vir de longe. Acompanhar os noivos. Acompanhá-los bem pessoalmente e prepará-los. Devem saber o que vão fazer. Muitos não sabem o que fazem e casam sem saber o que significa. As condições. Promessas. Sim, está tudo bem, mas não perceberam que é para sempre. E isso deixa fora a cultura do provisório que estamos vivendo, não somente na família, mas também entre os padres.
Disse-me um bispo que lhe foi apresentado um rapaz excelente, que queria ser padre, mas não por mais que dez anos e voltar… Esta é a cultura do provisório. É o tempo. O “para sempre” foi esquecido. Temos que recuperar muitas coisas na família ferida de hoje. Muitas coisas. Mas não se chocar com tudo o que acontece na família. Os dramas familiares, destruição da família, das crianças.
No Sínodo um bispo fez esta pergunta: Será que nós, pastores, estamos conscientes de como sofre uma criança quando os pais se separam? São as primeiras vítimas. Então como acompanhar essas crianças? Como ajudar os pais que se separam a não usar os filhos como reféns.
Quantas psicologias pseudopatologicas de pessoas que destroem com a língua vêm sendo ensinadas, do pai falando mal da mãe e da mãe falando mal do pai. São essas coisas que devem nos fazer aproximar-se mais de cada família, acompanhar, se eles têm consciência do que fazem. E hoje há diferentes situações.
Não se casam, ficam juntos em casa. Tem seu noivo, sua noiva, mas não casam. Uma mãe me dizia:
-Padre, que posso fazer para que meu filho, que tem 32, anos se case?
-Bom… primeiro precisa ter uma noiva, senhora!
-Sim, sim, ele tem uma noiva, mas não se casa.
– Bom… senhora, se tem uma noiva e não se casa, então não lhe passe mais as camisas, quem sabe se anima, não?
Muitos são os que não se casam. Convivem, como tenho visto em minha própria família, convivências parciais. “De segunda a quinta feira com minha noiva e de sexta a domingo com minha família”. Ou seja, são formas totalmente destrutivas, limitadoras da grandeza do amor do casamento.
E como vemos muito isso, convivências, separações, divórcios, por isso a chave que pode ajudar é o acompanhar pessoalmente “corpo a corpo”, não fazendo proselitismo, porque isso não resulta em nada. Mas acompanhá-los. Paciência, paciência. E uma palavra hoje, uma atitude amanhã, talvez. É o que eu sugiro.
PEDAGOGIA
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Pergunta: Recordando as palavras do Santo Padre na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, quando afirma que “Maria é aquela que sabe transformar uma cova de animais na casa de Jesus, com umas pobres fraldas e uma montanha de ternura”, e recordando também que os anos de infância e juventude do Pe. Kentenich estiveram marcados pela ausência de seu pai e pelas dificuldades econômicas de sua mãe, o Fundador do Movimento Mariano experimentou a Santíssima Virgem não só como Mãe, mas também como Educadora, por isso propõe à Igreja a Aliança de Amor com Maria, como fonte pura e integral de caminho para restabelecer o encontro pessoal com Deus.
Como sabemos do seu grande amor à Maria, queremos que nos fale da sua visão sobre a missão de Maria na nova evangelização e na renovação da Igreja.
Resposta do Papa: Bem, é verdade que Maria é aquela que sabe transformar uma cova de animais na casa de Jesus com poucas fraldas e uma montanha de ternura. E é capaz também de fazer exultar uma criança no seio da sua mãe, como ouvimos no Evangelho. Ela é capaz de dar-nos a alegria de Jesus. Maria é fundamentalmente Mãe. Bem, sim, Mãe é pouca coisa, não? Maria é Rainha, é Senhora. Não. Paremos por um momento: Maria é Mãe. Por quê? Porque nos trouxe Jesus.
Vou contar uma anedota muito dolorosa para mim. Foi pelos anos 80. Na Bélgica, fui a uma reunião com católicos bons, trabalhadores, e um casal convidou-me para jantar – tinham vários filhos, católicos. Eles eram professores de Teologia e estudavam muito. E de tanto estudar, não sei, tinham um pouco de febre na cabeça. Então, num momento da conversa falavam de Jesus. Muito bem. Verdadeiramente uma Teologia, uma Cristologia muito bem-feita. Ao terminar disseram-me: “bom, nós já conhecendo Jesus, assim não necessitamos de Maria. Por isso não temos devoção mariana”. Fiquei gelado. Quer dizer, fiquei triste, mal. Como o demónio sob uma forma de “algo melhor”, tira o “melhor”, não é? Paulo diz-nos que somos tentados sob a forma de um anjo de luz. É uma Mãe, uma Maria sem maternidade. Maria é Mãe. Primeiro. Não se pode conceber nenhum outro título de Maria que não seja “A Mãe”.
“Maria é Mãe porque gera Jesus e nos ajuda, com a força do Espírito Santo, a que Jesus nasça e cresça em nós. É ela que continuamente nos dá vida. É Mãe da igreja. É Maternidade”. Não temos o direito – e se o fazemos estamos equivocados – de ter psicologia de órfãos. Ou seja, o cristão não tem direito “de ser órfão”. Tem Mãe. Temos Mãe. Um pregador idoso, com muito “humor”, falando sobre a psicologia de órfãos terminou o seu sermão dizendo: “Bom, quem não quiser Maria como Mãe, vai tê-la como sogra!”.
Mãe. É uma Mãe que não somente nos dá a vida, mas que nos educa na fé. É diferente procurar crescer na fé sem a ajuda de Maria. É outra coisa. É como crescer na fé sim, na Igreja, mas na Igreja-orfanato. Uma Igreja sem Maria é um orfanato. Então Ela educa, ajuda-nos a crescer, acompanha-nos, toca as consciências. Como sabe tocar as consciências, para o arrependimento. Gosto, ainda agora o faço quando tenho um tempo, de ler as histórias de Santo Afonso Maria de Ligório. São coisas de outro tempo, a maneira de redigir, mas são verdadeiras. Conta depois do cada capítulo uma história edificante, de como Maria…
No sul de Itália, não sei se na Calábria ou na Sicília, existe a devoção à Virgem das Tangerinas. É uma zona onde há muita tangerina, não? E são devotos da Virgem das Tangerinas os malandros, os ladrões, estes são devotos. E contam que a Virgem das tangerinas os ama, e rezam-lhe porque, quando chegarem ao céu, Ela estará olhando para a fila das pessoas que chegam e, quando vir alguns deles “faz-lhes assim com a mão” e diz-lhes que não passem, que se escondam. E à noite quando estiver tudo escuro e São Pedro não estiver lá, irá abrir-lhes a porta. Ou seja, é uma maneira muito folclórica e muito popular de uma verdade muito grande, não? De uma Teologia muito grande. Uma Mãe cuida do seu filho até ao fim e trata de salvar-lhe a vida até ao fim.
Daí, a tese de Santo Afonso Maria de Ligório que um devoto de Maria não se condena. Ou seja, durante toda a vida sabe tocar as consciências. Sabe tocar as consciências. Acompanha-te nisso. Ajuda-nos. Maria é quem ajuda a trazer Jesus. O traz do céu para conviver conosco. É quem olha, cuida, avisa. Está.
Há uma coisa que me toca muito. A primeira antífona mariana do Ocidente é copiada de uma do Oriente que diz “Sob o teu amparo nos acolhemos Santa Mãe de Deus”. É a primeira, a mais antiga do Ocidente. Mas, isso vem de uma velha tradição, que os místicos russos, os monges russos explicitam assim: nos momentos de turbulência espiritual, nada mais resta do que acolher-se sob o manto da Santa Mãe de Deus. É quem protege, quem defende. Recordemo-nos do Apocalipse, a que sai com a criança nos braços correndo para que o dragão não devore a criança. Por mais que conheçamos Jesus, ninguém pode dizer que é tão maduro que possa prescindir de Maria. Ninguém pode prescindir da sua mãe.
Nós, os argentinos, quando encontramos uma pessoa que tem traços de maldade ou de mau comportamento, um pouco por carência, por falta de carinho da sua mãe, porque não a ama, ou porque a abandonou, temos uma palavra forte, que não é uma palavra má, é um adjetivo forte, e dizemos que esta pessoa é um “huacho” (órfão). O cristão não pode “ahuacharse” (sentir-se abandonado) porque tem Maria como Mãe.
JUVENTUDE
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Pergunta: Nós, os jovens em Schoenstatt, nos identificamos por um espírito missionário que mobiliza muitos a viver e dar testemunho da fé. Nós escutamos o seu chamado a ser protagonistas da vida, a sair e a partilhar a alegria do Evangelho. Assim também nos movemos onde mais nos é difícil plasmar esse impulso missionário, e frequentemente nos encontramos com jovens que, mesmo que pareçam felizes – inclusive vivendo solidariamente, ajudando aos demais –, não vivem contentes, não têm a experiência do encontro com Cristo e não sentem a necessidade da fé.
Santo Padre, quais conselhos o senhor pode nos dar para convidar nossos amigos a partilhar uma vida mais plena com Cristo?
Resposta do Papa: Parto de uma frase do Papa Bento XVI. “A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração”. A atração é dada pelo testemunho. Primeiro conselho: viver de tal maneira que os outros tenham vontade de viver como nós. Testemunho. Não há outro. Não há outro.
Viver de tal modo que outros tenham interesse em preguntar: “por quê?”. O testemunho. O caminho do testemunho. Não há nada que possa superar isso. Testemunho em tudo. Nós não somos salvadores de ninguém. Somos transmissores de alguém que nos salvou a todos. E isso somente o podemos transmitir se assumirmos na nossa vida, na nossa carne, na nossa história, a vida desse Alguém que se chama Jesus. Ou seja, testemunho. Testemunho.
E isto não só nas obras de caridade. Claro que temos que fazê-las, porque o protocolo pelo qual nos julgarão, a todos, está em Mateus 25, não é verdade? Bom, então sim, testemunho nas obras de caridade, etc… No trabalho de promoção, de educação, de fazer coisas pelos outros.
Não só isso, não. Mas, testemunho de vida. Como vivo? Tenho vida dupla? Isto é, proclamo-me cristão e vivo como pagão? O mundanismo espiritual, o espírito do mundo que Jesus condena tanto. Basta ler o Evangelho de João, como é repetitivo nisso.
Divido-o, mais ou menos, com a minha fé cristã? Meio a meio? O testemunho tem que te agarrar completamente. É uma opção de vida. Ou seja, perdão, dou testemunho porque essa é a consequência de uma opção de vida. Por isso, esse é o primeiro passo. Sem testemunho não podeis ajudar nenhum jovem, nem nenhum velho. A ninguém. E, evidentemente, todos fraquejamos, todos somos fracos, todos temos problemas e, nem sempre damos um bom testemunho. Mas a capacidade de, interiormente, nos humilharmos, a capacidade de pedir perdão quando o nosso testemunho não é o que deve ser. E um testemunho que também tenha em si a capacidade de nos movermos, de nos fazer sair, de ir em missão, o que não é ir fazer proselitismo. É ir ajudar a partilhar e, que vejam como o fazemos e o que fazemos.
Eu repito-me muito nisto. Uma Igreja que não sai é uma Igreja “de gente requintada”. Um movimento eclesial que não sai em missão é um movimento “de gente requintada”. E, no máximo, em vez de ir buscar ovelhas para trazer, ou ajudar a dar testemunho, se dedica ao “grupinho”, a pentear ovelhas. São cabeleireiros espirituais. Isso não é bom.
Ou seja, sair, sair de nós mesmos. Uma Igreja ou um movimento, uma comunidade fechada, adoece. Tem todas as doenças de estar fechados. Um movimento, uma Igreja, uma comunidade que sai, se equivoca, se equivoca. Mas é tão bonito pedir perdão quando uma pessoa se engana. Assim, não tenham medo. Sair em missão. Sair a caminho. Somos caminhantes. Mas cuidado, Santa Teresa avisava: por aí no caminho, gostamos de lugares bonitos e ficamos por lá. Não!? Esquecemo-nos que temos que continuar para outro lado. Não pararmos. Descansar sim, mas depois continuar a caminhar e caminhantes, não errantes. Porque se sai para dar alguma coisa. Dá-se em missão. Mas não se sai para andar em voltas sobre si mesmo, dentro de um labirinto que nem nós próprios podemos compreender. Caminhantes e não errantes.
E aí, sim, com a missão, a oração. Ninguém pode dizer “Jesus Cristo é o Senhor” se o Espírito Santo não o inspira. E, para isso, tens que rezar. Tens que reconhecer que o Espírito Santo está dentro de vós e que é o mesmo Espírito Santo quem te dá forças para ir adiante.
Oração. Não deixar a oração. E a oração a Nossa Senhora que é uma das coisas que eu costumo preguntar na confissão. “Bom, como vai a tua relação com Nossa Senhora?”. Rosário. Regressamos ao que eu disse anteriormente da Mãe. Para que a Mãe me acompanhe, venha à minha procura, me diga onde falta o vinho, etc., essas coisas que Ela faz. Oração, missão, sair.
E, uma coisa que vocês jovens terão: a tentação do cansaço. Ou, porque não veem os resultados, ou porque, bom, o espetáculo acabou e já está muito chato e vou procurar outra coisa. Assim, ao primeiro sintoma de cansaço que encontrem, cansaço do caminho, de qualquer modo, abram a boca a tempo. Peçam conselho a tempo: “Está acontecendo isso comigo. Saí em ‘quarta’, e agora estou ‘em marcha ré’”. Mas, a tentação do cansaço é muito sutil. Porque, por detrás da tentação do cansaço em sair para a missão, esconde-se o egoísmo. E, em última análise, esconde-se o espírito mundano. Voltar para a comodidade, ao bem-estar, ao divertimento ou como queiram.
Assim eu te diria: testemunho, para que a luz brilhe, que não esteja escondida debaixo da cama. Que brilhe a luz e vejam as obras boas que o Pai faz através de nós, obviamente. Testemunho. Para que preguntem porque é que vivem assim, coerência de vida, caminhar, caminhantes, não errantes, e salvaguardar-se da tentação do cansaço. Não me ocorre outra coisa. Que conselho nos dá para convidar os nossos amigos a partilharem uma vida mais plena em Cristo? Creio que com isso temos o suficiente, não?
Quando vamos fechando-nos no pequeno mundinho, o mundinho do Movimento, da Paróquia, do Arcebispado, ou aqui o mundinho da Cúria, não se vê a verdade.