Continuação do estudo sobre Amoris Laetitia
Flavia Ghelardi – No artigo de hoje, continuaremos refletindo sobre o segundo capítulo da exortação apostólica Amoris Laetitia que enumera alguns desafios enfrentados pela família contemporânea.
Mais um triste desafio apontado pelo Santo Padre é a exploração sexual de crianças, que é pior em países em estado de guerra, terrorismo ou onde há a presença do crime organizado. Essas situações também geram uma grande quantidade de “meninos de rua”, por desestruturar a situação familiar.
Outro desafio são as migrações, que podem ocorrer voluntariamente e neste caso podem revelar-se uma verdadeira riqueza tanto para a família que emigra como para o país que a recebe, como forçadamente, que ocorre em situações de guerra, pobreza, perseguição e injustiça. Esses casos são mais delicados, pois a própria viagem pode colocar em risco a família, traumatizando as pessoas e desestabilizando a família.
A sugestão do Papa, para ajudar nessas situações, é a criação de uma pastoral específica, que cuide tanto da família que migrou como dos membros dos núcleos familiares que ficaram nos lugares de origem. “Isto deve ser feito respeitando as suas culturas, a formação religiosa e humana da sua origem, a riqueza espiritual dos seus ritos e tradições” (AL 46). Dentro ainda desse aspecto migratório, foram destacados os casos de perseguições aos cristãos, especialmente no Oriente Médio, devendo ser apoiados todos os esforços para favorecer a permanência das famílias e das comunidades cristãs nas suas terras de origem.
Mais uma questão é a das famílias das pessoas com deficiência, que dão à Igreja e à sociedade um valioso testemunho de fidelidade ao dom da vida. O Santo Padre estimula as famílias, junto com a comunidade cristã, novas formas de cuidado e acolhimento para essas pessoas. Ele afirma: “As pessoas com deficiência são, para a família, um dom e uma oportunidade para crescer no amor, na ajuda recíproca e na unidade.” (AL 47)
Com relação aos idosos, uma população muito querida ao coração do Papa Francisco, o receio é que eles sejam vistos como um peso. “A valorização da fase conclusiva da vida é, hoje, ainda mais necessária, porque na sociedade atual se tenta, de todos os modos possíveis, ocultar o momento da passagem. Às vezes, a fragilidade e dependência do idoso são iniquamente exploradas por mero proveito econômico.” (AL 48). O Papa destaca o papel da Igreja, que acolhe muitos idosos, propiciando a eles um ambiente sereno e familiar. Condena veementemente o suicídio assistido e a eutanásia, que embora legalmente permitidos em alguns países, são mais uma consequência da “cultura do descartável” e afrontam a dignidade que todo ser humano possui.
As dificuldades com as funções educativas da família também foram elencadas como um desafio a ser vencido, pois em muitas famílias os pais chegam cansados em casa e sem vontade de conversar; outras famílias nem tem o hábito de fazer alguma refeição juntos; muitas são as opções de distração com as diversas telas e isso tudo torna muito difícil a transmissão da fé entre pais e filhos. Cria-se uma grande ansiedade por prever e cuidar do futuro e esquece-se de compartilhar o presente.
O alcoolismo e a dependência das drogas fazem sofrer e muitas vezes acabam destruindo as famílias. Essas dependências acabam gerando um ambiente violento, com filhos desenraizados, idosos abandonados, crianças órfãs de pais vivos, adolescentes e jovens desorientados e sem regras. (AL 51)
O Santo Padre afirma categoricamente que o enfraquecimento da família natural fundada no matrimônio prejudica toda a sociedade. “Só a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função social plena, por ser um compromisso estável e tornar possível a fecundidade”. Destaca ainda que “as uniões de fato ou entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, não podem ser simplistamente equiparadas ao matrimônio. Nenhuma união precária ou fechada à transmissão da vida garante o futuro da sociedade.” (AL 52)
Mais um problema enumerado é a ausência do pai que “penaliza gravemente a vida familiar, a educação dos filhos e a sua integração na sociedade. Tal ausência pode ser física, afetiva, cognitiva e espiritual. Esta carência priva os filhos dum modelo adequado do comportamento paterno” (AL 55).
Neste tópico é importante destacar que nosso Pai e Fundador já alertava que a “carência de pais” é um dos grandes males da nossa sociedade. É muito mais difícil para uma pessoa que não teve uma boa experiência com seu pai natural, conseguir enxergar a Deus como um Pai amoroso, que a ama com amor infinito. A missão do homem é ser um transparente da paternidade do Pai Celestial.
“Nossa missão é cuidar que Deus Pai seja reconhecido em toda a parte. Mas Deus Pai não poderá ser reconhecido em parte alguma, ao menos em um âmbito maior e de forma duradoura, se ao mesmo tempo o pai terreno, o pai natural, o pai carnal não for reconhecido na família, nela recebendo a posição que lhe compete, de acordo com o plano de Deus (…) A paternidade do pai terrestre é, em primeiro lugar, expressão da paternidade de Deus” (Pe. J. Kentenich, 18.06.1966).
A ideologia do gênero que “nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher. Prevê uma sociedade sem diferenças de sexo e esvazia a base antropológica da família” ameaça a família em seu cerne e é uma grande revolta contra o próprio Criador. O Santo Padre explica que há uma diferença entre compreender a fragilidade humana e as questões psicológicas individuais de cada pessoa e “aceitar ideologias que pretendem dividir em dois os aspectos inseparáveis da realidade. Não caiamos no pecado de pretender substituir-nos ao Criador” (AL 56)
Encerrando esse capítulo repleto de problemas, o Papa Francisco nos dirige uma palavra de ânimo: “Não caiamos na armadilha de nos consumirmos em lamentações auto defensivas, em vez de suscitar uma criatividade missionária. Em todas as situações, a Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de esperança. (…) Os grandes valores do matrimônio e da família cristã correspondem à busca que atravessa a existência humana.” (AL 57)
Para refletir:
- Como está a questão educativa dentro de minha família? Ela é uma prioridade para mim? Procuro não perder tempo com as diferentes “telas” para passar mais tempo com os membros da minha família e assim transmitir os valores que acho importantes?
- Deixo a propaganda ideológica contrária à família e aos costumes cristãos influenciar a minha vida? Já cedi à pressão da ideologia de gênero achando “natural” que cada um possa escolher a forma de exercer a sua sexualidade? Já caí na armadilha de que usar os “pronomes neutros” é uma forma de “combater o preconceito?
- Como posso me autoeducar para ser um transparente de Deus Pai (se sou homem) ou como posso ajudar os homens com quem convivo (se sou mulher) a serem essa imagem da paternidade divina?