“Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” (Lc 24, 18)
Pe. Vandemir J. Meister – A esperança contra toda desesperança volta a surgir no rosto da primeira comunidade cristã na passagem bíblica de Emaús. Esse rosto que tem cada um de nós, que peregrinamos neste mundo, seja com o outro, com os outros e, muitas vezes, sozinhos. Em nossas esperanças, muitas vezes caímos na desesperança, porque o que supúnhamos que nos dava seguridade se esvai por entre as fendas dos dedos de nossas mãos. Em quem, então, colocar nossas esperanças?
Vem-me à memória a história de um sacerdote, Pe. José Kentenich, que no momento de maior desesperança encontrou a esperança que lhe deu sentido e fortaleza onde reinava um ambiente infernal. Ele, durante a Segunda Guerra Mundial, foi preso num minúsculo calabouço, que era um antigo cofre forte de um banco desativado e tornado prisão, na Alemanha. Ali, sem a luz do dia, sem contato humano, ficou preso durante 30 dias. Nesse lugar tenebroso, segundo seu testemunho, foi onde teve maior intimidade com Deus. Dizia ele que, se não fosse essa intimidade espiritual, sairia daquele lugar praticamente desequilibrado, isto é, louco.
Voltamos agora ao acontecimento do evangelho, onde dois dos discípulos de Jesus voltam, desde Jerusalém, para Emaús. Tinham perdido toda a esperança que tinham depositado em Jesus. Com a crucificação e morte, a esperança desses dois discípulos esvai-se. Aquilo que dava sentido em suas vidas, agora já não está presente para cativá-los no dia a dia. Já não lhes dá o ânimo de uma alegria contagiante. A desesperança marca profundamente o coração de qualquer um, mas não produz esquecimento. Sim, a desesperança nos leva a tomar novas decisões. Esses dois discípulos tomam a decisão de voltar ao seu lugar de origem e recomeçar a vida, a dar um sentido para ela. Estão em busca do sentido.
Ele é a história, Ele é o acontecimento
Os acontecimentos em Jerusalém foram grandes a respeito da crucificação de Jesus. Não foi um acontecimento paralelo na vida da cidade, um acontecimento somente acompanhado e percebido por um pequeno número de pessoas. Vê-se na indignação dos dois discípulos: “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nesses últimos dias?” Para os dois peregrinos desesperançados, que não reconheceram quem os acompanhava no caminho de retorno a Emaús, os acontecimentos de Jerusalém tinha causando-lhes impacto e desilusão. Não compreenderam as palavras do Senhor sobre a ressurreição. Tinham estado com o Senhor. Quantos milagres quiçá tinham visto. Encontro com Maria, com os demais apóstolos. Tudo isso não lhes tinha assegurado sentido.
Fazendo o caminho de retorno, juntamente com esse outro peregrino que se juntou a eles, buscavam partilhar os acontecimentos últimos. Fazendo o caminho com eles, Jesus Cristo faz-se portador da história por eles contato. Ele é a história, Ele é o acontecimento. Os discípulos, ainda incrédulos, o convidam para acomodar-se em sua casa. Essa cena é muito bonita. Ao partilharem em comum a refeição, percebem que o peregrino ao seu lado era Cristo. Perceberam ao partir o pão. Jesus está ali presente; mas ao mesmo tempo não podem tocá-lo, não podem detê-lo. Ele está ali, mas ao mesmo tempo já se foi.
Não ardia o nosso coração?
A ressurreição é que dá sentido à vida desses peregrinos. A ressurreição lhes traz novamente alegria e vida. Traz-lhes esperanças. “Não estava ardendo o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” Essa esperança é que lhes dá força para partir novamente para testemunhar em Jerusalém.
Quantas vezes não temos a mesma experiência dos discípulos, do desânimo, da desesperança, de não valorizar aquilo que temos e somos? De desacreditar nos outros, na vida, na fé? Só tem uma coisa que nos dá fortaleza interior, apesar de termos perdido todas as outras coisas – dinheiro, honra, influência, amizades, etc. – somente nos sobra a FÉ, a Fé em Jesus Ressuscitado.
Essa fé foi que salvou mentalmente e fisicamente o Pe. Kentenich do calabouço e do campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
Foto: Karen Bueno